Em maio, o Instituto de Propriedade Industrial do Chile (Inapi) concedeu à Universidade de Concepción (UdeC) o primeiro registro de marca tridimensional do país. É o Campanil da UdeC, o primeiro edifício do Chile que protege sua imagem para evitar que empresas privadas ou entidades não universitárias explorem a figura reconhecível da torre sineira em campanhas políticas, publicitárias ou eventos sem reconhecer os direitos comerciais da Universidade.
O registo de marcas tridimensionais (ou tácteis, como também são conhecidas) aplicadas em edifícios ou estruturas é uma das formas mais eficientes de proteger o património cultural de uma nação, entidade ou organização.
Muitas vezes, entretanto, são confundidas com trade dress e desenho industrial, por serem um compêndio equilibrado de forma, origem empresarial e sinal distintivo, mas, ao contrário das marcas tridimensionais, permitem proteger não só a figura, mas também a ideia relativa ao produto, que impacta positivamente o recall de uma marca ou empresa, ao mesmo tempo em que beneficia quem a registrou.
Reconhecer uma marca tridimensional, incluída nas chamadas “marcas não tradicionais” de algumas legislações de propriedade intelectual, não é tão difícil, há exemplos muito presentes na cultura popular, por exemplo as garrafas de Coca-Cola e de água Perrier ou em chocolates, como Toblerone e Hershey’s Kisses, também em garrafas de Gatorade ou na caixa do McLanche Feliz do McDonald’s e teremos uma ideia bem clara do que são e qual a sua função.
São tão distintos que basta vermos apenas a sua silhueta, sem mais delongas, para saber que produto ou marca estamos a olhar.
“As marcas táteis são incluídas no conceito da marca de acordo com o sentido utilizado para percebê-las. Assim, na indústria da moda, em que os produtos oferecidos resultam de evidências tangíveis que produzem sensações ao entrar em contato com eles, a capacidade sensorial deve permitir que o produto per se transmita qualidades visuais e, portanto, distintivas em relação a outros produtos do setor, mesma classe ou espécie”, explica Lizbeth Jiménez, associada da Méndez + Cortés S.C., e isso com tecidos é muito difícil.
Isto foi descoberto em fevereiro deste ano pela casa de moda britânica Burberry, quando o Instituto de Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) lhe negou a possibilidade de registar a sua reconhecida rede de linhas vermelhas, brancas e pretas sobre fundo bege para identificar NFTs e outros criptoativos e produtos virtuais, considerando que, como na vida tangível, este design carece de caráter distintivo.
Deve-se considerar, neste caso, que a jurisprudência europeia sobre marcas tridimensionais relacionadas com a própria aparência do produto era aplicável tanto no mundo virtual como no mundo real, o que resultou na representação bidimensional de um produto sendo tão contestável quanto a representação tridimensional desta se não houver distintividade suficiente.
O registro de marcas tridimensionais pode ser complicado porque, como é o caso da legislação mexicana, às vezes não foram desenvolvidas regulamentações específicas e “não há certeza sobre os critérios de representação da marca, portanto, a base sobre a qual deve ser realizado um estudo”, explica o especialista.
México
“Os principais desafios das marcas dessa natureza são que não devem ter uma funcionalidade ou aspecto ornamental, mas devem cumprir a função de distintividade para gozar do direito de uso exclusivo exigido por lei.”
As marcas táteis são consideradas aspectos sensoriais e essa é uma característica intrínseca dos produtos aos quais estão vinculadas. Ou seja, são concebidas mais como aspectos ornamentais do que como sinal distintivo, de modo que os critérios de registrabilidade envolvem determinar se a marca proposta não possui funcionalidade específica ou depende apenas de sua aparência.
As legislações buscam se adaptar às marcas não tradicionais. Por exemplo, no México, diz Jiménez, antes do reconhecimento de marcas não tradicionais na legislação, foram gerados critérios judiciais para o reconhecimento de marcas cujas características não estavam incluídas no conceito tradicional.
Em 2018, porém, a Lei da Propriedade Industrial foi reformada para introduzir padrões internacionais e, desta forma, foi incorporado um sistema de proteção moderno e cuja prática caminha para critérios comparáveis com práticas de outros sistemas jurídicos”, afirma a associada da Méndez + Cortés.
Para as marcas não tradicionais, mantém-se a pluralidade de elementos operacionais ou de imagem do trade dress, as marcas de certificação e, excepcionalmente, as marcas que, por seu uso, tenham uma distintividade adquirida.
Brasil e Colômbia
No Brasil, explica Tatiana Campello, sócia do Demarest Advogados, o registro de marcas tridimensionais geralmente implica o cumprimento de critérios específicos, de acordo com as Diretrizes de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi). Portanto, uma marca tridimensional é registrável se atender aos requisitos de caráter distintivo, estabilidade e singularidade, se não for apenas funcional (a marca não deve ser necessária, comum ou ordinária para o produto e não pode ser dissociada do efeito técnico) e se não induzir em erro ou enganar.
Nesse país, as marcas tridimensionais são avaliadas caso a caso e só “passarão no teste” se as superfícies contendo estampas ou elementos de relevo figurativo (desenhos, padrões ou texturas) interferirem significativamente ou não na forma plástica do objeto analisado.
“O requerente deve ser capaz de fornecer uma representação clara e precisa da marca tridimensional ao submeter o pedido, que pode incluir desenhos, fotografias ou outras representações visuais para demonstrar o cumprimento dos requisitos.”
Nesse sentido, não são distintivos os elementos e detalhes ocultos da marca que não podem ser observados e identificados pelo consumidor, bem como as cores, imagens e rótulos fixados no objeto.
“Apesar da lista detalhada de elementos exemplificados acima, a decisão de registrar ou não marcas tridimensionais no Brasil ainda tem sido objeto de muita discussão, dado o grande número de decisões de indeferimento proferidas pelo Inpi”, afirma Campello.
Uma rápida análise da base de dados do Inpi indica que a classe 25, vestuário e calçados, possui apenas alguns registros tridimensionais válidos já concedidos, em nome de Kippling Apparel Corporation, Salvatore Ferragamo S.P.A e Maria Perego.
Não será registrada uma forma comumente utilizada intrinsecamente relacionada à sua finalidade funcional, portanto, o sinal tridimensional só poderá ser registrado como marca quando consistir em uma forma plástica única, que não seja usual nem estritamente funcional em relação ao produto, embalagem ou serviço a que se destina.
“O Inpi ignora marcas supostamente comuns que, ao longo do tempo, podem adquirir distinção no mercado em que estão inseridas, o que seria o fenômeno da significação secundária, o que não é formalmente aceito e, portanto, cabe ao dono da marca solicitar reparação judicial.”
Na Colômbia, explica Natalia Fernández, associada sênior da DLA Piper Martínez Beltrán, as marcas tridimensionais podem se sobrepor a outros direitos de propriedade intelectual, como os direitos autorais. Por exemplo, a proteção de uma fragrância pode envolver tanto marcas tridimensionais (em relação à sua embalagem) como direitos de autor sobre a composição química ou olfativa. O mesmo se aplica aos planos arquitetônicos de um edifício, se a forma do edifício for distintiva e é usada para identificar um negócio ou serviço específico.
“Mas, embora ambas as ferramentas estejam relacionadas à propriedade intelectual, elas focam em aspectos diferentes.”
No país andino, as marcas tridimensionais são registadas para proteger a forma de um produto “sempre que esta seja suficientemente distintiva para identificar toda uma gama de produtos ou serviços”.
Em sua lei, o registro desses sinais distintivos oferece ao seu titular a exclusividade do uso da forma do produto registrado, da mesma forma que protege os direitos do autor que desenhou a forma que deseja ser registrada como marca, seja o desenho original de um edifício e sua disposição espacial ou as composições de fragrâncias.
As marcas tridimensionais concentram-se em aspectos específicos e distintivos da forma tridimensional de um produto, explica a empresa. Portanto, ter uma marca tridimensional pode ser benéfico se uma empresa quiser proteger a forma única do seu produto, em vez de proteger sua apresentação comercial (que seria a imagem comercial). Isto pode fornecer uma proteção mais precisa e robusta para características específicas de um ativo, o que pode ser especialmente útil em casos de cópia.
Para a legislação colombiana, o caráter distintivo de uma marca deve ser apreciado em relação aos produtos e serviços para os quais o registro foi solicitado e em relação à percepção da marca pelo público a quem o produto se dirige, de acordo com os artigos 134 e 135 da Decisão 486 de 2000.
“Desta forma, o formato deve ser único o suficiente para identificar a origem do negócio, e deve conter elementos que vão além do meramente funcional, para ser verdadeiramente distintivo. O registro de uma marca tridimensional pode ajudar o consumidor a identificar facilmente os produtos de uma determinada empresa e diferenciá-los dos produtos de outras empresas”, explica a especialista.
O artesanato de comunidades pode ser protegido com esta figura?
No extremo leste da Venezuela existe uma comunidade indígena (waraos) que subsiste da venda de seu artesanato, principalmente acessórios tecidos a partir de uma planta local com textura e cor particulares.
Um olhar nacional moderadamente treinado será capaz de reconhecer o artesanato desta cidade distante da zona Warao. Levando em conta que o registro de desenhos e a educação em propriedade intelectual entre os povos indígenas faz parte da defesa que muitas nações têm empregado para salvaguardar suas tradições e permitir sua exploração comercial, vale a pena perguntar se o registro de marcas tridimensionais no mercado de artesanato indígena é possível.
Se partirmos da afirmação de que, para obter o registro de uma marca tridimensional é obrigatório que ela seja inegavelmente distintiva, quando se trata de artesanato feito por indivíduos diversos dentro de uma comunidade que compartilha conhecimentos e técnicas, é preciso perguntar: o quanto de distinção pode haver? Quanta individualização de um produto? Como distinguir o artesão, a oficina ou às vezes até a comunidade?
No entanto, embora as marcas táteis não possam ser utilizadas para proteger a moda indígena, pelo menos no México, os esforços para desenvolver mecanismos adequados para proteger a propriedade intelectual de produtos com elevada carga cultural têm-se concentrado no reconhecimento das suas indicações geográficas, além de outros instrumentos legais, explica Lizbeth Jiménez.
É o caso do recente reconhecimento dos tapetes de Teotitlán, Santa Ana e San Miguel del Valle e da seda de Cajonos, reconhecida pelo Estado de Oaxaca, cujos produtos identificam a origem dos materiais, bem como o seu processo de produção, que lhes confere uma qualidade específica e um elevado valor comercial.
No Brasil, de acordo com a Lei de Propriedade Industrial (9.279/96), apenas sinais visualmente perceptíveis e distintivos podem ser registrados como marcas.
“Essa redação cria um vácuo de proteção para alguns tipos de marcas não tradicionais, uma vez que não são perceptíveis visualmente, como: som, cheiro, sabor e tato”, afirma Camila Garcindo Dayrell Garrote, associada sênior do Demarest Advogados.
As categorias de marcas não tradicionais aceitas no Brasil são marcas tridimensionais e de posição (esta última foi regulamentada em setembro de 2021).
Ainda assim, esclarece, “embora nem todas as características táteis cumpram os critérios para registo de marca, também podem existir sensibilidades culturais em torno da comercialização de determinados desenhos”, caso em que, protegendo os produtos através de direitos de autor, marcas de certificação, ou mesmo proteção de conhecimentos tradicionais.
O registo de marcas de toque pode fornecer proteção legal para designs únicos utilizados em artesanato criado por comunidades indígenas, reforçando a sua proteção e ao mesmo tempo melhorando a sua marca e valor comercial, tornando-os facilmente reconhecíveis e associando-os à sua comunidade específica.
Levando isto em conta, à semelhança do que acontece no México e provavelmente em outras nações, “o caminho ideal é proteger a moda indígena através de uma combinação de proteção legal aplicável a qual elemento está envolvido na produção e comercialização de seu artesanato, bem como colaborações éticas e conscientização para respeitar e preservar o patrimônio cultural”, afirma a especialista.
Então, como poderiam as leis de proteção do patrimônio cultural se cruzarem com com as leis táteis de registo de marcas? Quais artesanatos deveriam ser registrados e quais vantagens isso lhes traria?
No México, o governo assumiu a responsabilidade de preservar, difundir e proteger diversas expressões relacionadas à identidade nacional, buscando seu reconhecimento por meio de legislação que preserve a identidade, o patrimônio cultural e a propriedade intelectual coletiva dos povos indígenas, como a Lei Federal de Proteção do Patrimônio Cultural dos Povos e Comunidades Indígenas e Afro-mexicanas, que estabelece mecanismos de resolução de disputas, infrações, sanções e crimes por atos que afetam os direitos dos povos e comunidades.
Embora as marcas táteis possam oferecer proteção, Jiménez assegura que as indicações geográficas ou denominações de origem proporcionam a proteção ideal para que o sinal desempenhe a função específica de indicador que permite ao consumidor identificar suas qualidades e reputação diretamente associadas ao seu local de origem. “Por isso, embora seja necessário que o vestuário e o artesanato que tenham uma tradição particular sejam reconhecidos com o objetivo de desenvolver e fortalecer cadeias de valor que proporcionem benefícios a uma comunidade ou região, o regime especial de proteção para este “deve ser analisado à luz do benefício da comunidade.”
“Considerando o exposto”, acrescenta Garrote, “o caminho ideal é proteger a moda indígena por meio de uma combinação de proteção legal aplicável a qual elemento está envolvido na produção e comercialização de seu artesanato, bem como colaborações éticas e consciência para respeitar e preservar a herança cultural.” Num tal cenário, pode-se considerar a proteção dos produtos através de direitos de autor, marcas de certificação ou mesmo proteção do conhecimento tradicional.
Em resumo, é possível registar marcas tridimensionais para tecidos ou criações associadas ao artesanato indígena, mas isso deve ser feito tendo em conta as sensibilidades culturais e a participação ativa da comunidade indígena, uma vez que é crucial abordar o processo de registro com respeito pelas tradições e desejos dessas comunidades.
“No entanto, é importante analisar qual o direito de propriedade intelectual que melhor se adapta à sua aplicação: o direito autoral, o conhecimento tradicional ou as marcas tridimensionais”, acrescenta Garrote, que assegura que a comunidade e os próprios artesãos devem fazer parte do processo de tomada de decisão e negociação do registro de suas marcas e comercialização de suas criações, para garantir que suas expressões culturais sejam utilizadas com respeito e de forma que beneficie a comunidade.
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Fonte Lex Latin Imagem: LABFIN PROVAR