Lei de direito autoral permite o reconhecimento de duas noções: a do escrito como propriedade e do direito moral.
É muito bom estar de volta depois de um janeiro quente. Eu não me refiro apenas às condições climáticas desafiadoras que vivenciamos neste início de ano, mas também ao debate acalorado que a herança literária de Graciliano Ramos tem gerado, uma vez que sua obra acaba de entrar em domínio público. Apenas para situar os nossos ouvintes com alguns dados importantes: Graciliano Ramos, autor alagoano, nascido em Quebrangulo, em 1892, e falecido no Rio de Janeiro, em 1953, foi um dos grandes escritores de nossa literatura. Angústia, Vidas Secas e São Bernardo, livros editados pela Record desde 1975, já venderam mais de 4,5 milhões de exemplares. O best-seller é Vidas Secas, com quase 2 milhões de exemplares vendidos, segundo matéria publicada por Maria Fernanda Rodrigues no Estadão.
O debate é interessante e nos conduz ao século 18 europeu, quando o direito de cópia, que desde a invenção dos tipos móveis era facultado aos livreiros-impressores, passa a ser reivindicado pelos autores e por seus herdeiros. Os primeiros avanços na legislação do direito autoral se deram na Inglaterra, após a assinatura do Estatuto de Ana, em 4 de abril de 1710, cujo título completo é: Uma lei para o incentivo à aprendizagem, confiando cópias de livros impressos aos autores ou compradores desses exemplares, durante os períodos mencionados nos mesmos. A lei previa um prazo de proteção dos direitos de autor de 14 anos, com uma cláusula de renovação por um período semelhante, durante o qual apenas o autor e o impressor que havia adquirido a licença tinham o direito de publicar e usufruir dos lucros advindos das vendas das cópias. Após a expiração do contrato, a obra caía em domínio público.
O Estatuto de Ana provocou uma verdadeira batalha judicial entre livreiros-impressores que se apegavam nas leis ditadas pelas corporações e aqueles que exigiam a adoção imediata da nova lei. Apenas em 1774 houve a jurisprudência necessária para que o Estatuto se impusesse sobre os costumes antigos. Também na França, nessa mesma época, uma verdadeira batalha pelo reconhecimento da obra autoral como uma propriedade moveu livreiros-impressores e intelectuais, a exemplo de Diderot e Condorcet.
Eu vou retomar esta questão na próxima coluna, mas cumpre dizer que a lei de copyright, tal como ela se impôs na Inglaterra, ou a de propriedade intelectual, de acordo com o debate francês, significou o primeiro grande passo para a profissionalização do escritor. E, o que é mais importante, ao mesmo tempo que reconheceu o livro como mercadoria resguardou sua aura cultural, ao prever o domínio público após o usufruto do autor e do herdeiro por longos anos.
Fonte: Jornal USP Imagem: Words Ireland