A história do Morro do Horácio e da Penitenciária da Agronômica se confundem e tem como personagem central o comerciante Horácio Severino Mafra, homem que ajudou os moradores a formarem o bairro no começo do Século XX, grande parte familiares de presos e os próprios detentos que ali se instalavam depois de cumprir a pena. Horácio morreu em 1994, faltando dois dias para completar 100 anos, segundo os cálculos da família. Ainda tem três filhos vivos. Um deles é o servidor público federal Luiz Carlos Mafra, 45, que ainda mora na comunidade. Ele lembra todos os detalhes que ouvia da mãe desde que o pai chegou a Florianópolis, e é ele quem conta essa história.
Com 14 anos, levando as roupas do corpo e possuindo apenas os documentos e um porco. Foi assim que Horácio deixou Biguaçu rumo à Capital. Ele fez a travessia para a Ilha com a ajuda de um pescador. Vendeu o animal e começou a trabalhar em uma padaria, onde também morava.
— A partir dos 20 anos, em 1914, ele saiu da padaria e com o dinheiro das economias e ajuda dos antigos patrões comprou um lote de 600 metros quadrados, na época um local bem afastado do centro, sem nenhuma residência por perto. Fez uma casa de madeira onde montou um pequeno comércio de secos e molhados. Com a vinda da penitenciária para a Ilha, começou a fornecer produtos para consumos dos presos, alimentação, tecido para os uniformes, lenha, velas, lâmpadas — lembra Luiz Carlos.
Os presos de bom comportamento podiam sair para trabalhar na época, e Luiz conta que a maioria frequentava a venda. Em troca do material que Horácio fornecia, os presos construíram uma casa e comércio novos de alvenaria com tijolo maciço e óleo de baleia. Depois de 20 anos, quando os primeiros presos começaram a sair, tinham medo de voltar às cidades de origem e perguntavam ao comerciante sobre quem era o dono daquele sítio no morro. Horácio dizia que aqueles terrenos de mata virgem eram do Estado e faziam parte da propriedade da penitenciária, que não era usado na época e talvez jamais fosse. E que eles poderiam construir as casas ali.
A pesquisadora da UFSC, Maristela Fantin, que tem trabalhos publicados sobre o Morro do Horácio, escreve que antigamente a comunidade se chamava Morro do Arrisca-a-Vida. Ou seja, trazia no nome um imaginário carregado de preconceito. Segundo os relatos da pesquisa, o nome do morro foi sofrendo diversas modificações, como Morro dos Presos e Morro dos Sentenciados.
Segundo Luiz Carlos, a comunidade recebeu o nome do pai porque quando os moradores compravam móveis no centro da cidade, davam como endereço de entrega o armazém do Horácio.
— Quando o vendedor perguntava qual seria o bairro, o cliente respondia: “entrega lá no Horácio, no Morro do Horácio”. Faziam isso também nas vezes que tinham que prestar esclarecimentos e assinar as folhas perante a Justiça — explica.
Sobre o fato de o morro que leva o nome do pai ter se tornado uma região conflituosa, com a presença do tráfico de drogas, Luiz Carlos argumenta que o bairro é muito bom para morar, onde há respeito entre todos os moradores.
— O morro é formado 99% por pessoas do bem que saem 6h para trabalhar e que tem aquele lugarzinho pra morar. A gente não tem problema com violência. É comunidade, todo mundo se ajuda. O tráfico de drogas é uma questão social.
Fonte: Diário Catarinense