Cópia de ‘inovação alheia’ sempre moveu a indústria digital

Uma das principais características da cultura de inovação é a… cópia. Sim, a cópia das boas ideias. Nem todo mundo que tem uma boa ideia consegue executá-la da melhor forma. Os negócios digitais envolvem tecnologia, processos, interfaces, investimento, engajamento de usuários, uma miríade de facetas. Nos ecossistemas de negócios mais competitivos do mundo, a palavra-chave não é criatividade, mas execução. Não é inovação, mas desempenho. Foi assim que o Vale do Silício se tornou líder global em software e serviços, com a vasta maioria das empresas copiando – e executando melhor – as ideias de quem só sabia fazer a gambiarra ou a primeira versão. Isso quando não pirateando, pura e simplesmente, invenções alheias.

A primeira máquina de busca não foi Google. Nem o Facebook, a primeira rede social. Eles apenas executaram – melhor do que ninguém – as ideias por trás da busca e redes sociais. Nos mercados em rede, um efeito “quem ganha leva tudo”, os tornou, na prática, monopólios. Isso não foi desenhado ou criado pelos dois, é uma propriedade das redes sem escala, como a web.

Há adeptos de um outro modelo, em que as ideias teriam donos e estariam sujeitas às mesmas proteções monopolistas dadas às patentes. Mas patentes, que em tese serviriam para fomentar e proteger inovação, estão em cheque: nos mais de 150 anos do sistema anglo-americano de patentes, não há evidência empírica de que elas aumentem inovação e produtividade. E a história mostra que as inovações de grande impacto nascem da competição radical.

Mas há patentes para ideias, como a da Amazon para a “compra eletrônica com um só clique”, dada nos EUA em 1999 e nunca concedida na Europa, porque… é uma ideia. Em 2007, o escritório de patentes dos EUA revogou 21 das 26 pretensões da patente, tornando-a irrelevante. Se a legislação de patentes não concede nenhum monopólio a quem tem ideias, tampouco o faz a propriedade intelectual. É por isso que o Instagram, propriedade de Facebook, dá crédito ao Snapchat pela inspiração para incluir as estórias do rival em seu aplicativo. Tudo dentro da lei: não se pode copiar o código – o programa que torna a ideia um recurso de um serviço – mas é possível imitá-lo.

O Snapchat pediu uma patente para sua implementação do conceito de estórias, chamada “galeria de mensagens efêmeras”, mas não pode pedir o monopólio de uso do conceito em si, porque se trata, como já dissemos, de uma ideia. Assim como hashtags, que começaram no Twitter, foram para Facebook e, depois para todo canto. O Twitter não tem como proteger o uso do símbolo # antes de um assunto ou do @ para indicar o nome de um usuário. Todas as redes usam. E quem seria o dono da ideia de chat, uma sala virtual para troca de mensagens entre múltiplos usuários, que é usada por Skype, WeChat e WhatsApp?

Assim, a evolução e revolução na internet se dão muito mais pela cooperação, pelo compartilhamento de ideias e modelos de negócios e pelo acesso a uma vasta biblioteca de código aberto, do que pelo fechamento, cerceamento, limitações e concessões monopolistas a um ou outro suposto dono de qualquer ideia. Fosse assim, nem o Snapchat existiria, quanto mais suas estórias.

*É PROFESSOR DA ESCOLA DE DIREITO DA FGV-RIO

Fonte: Estadão


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