Por Marcelo Porto[i]
Quem nunca vestiu alguma peça de roupa contendo na estampa seu desenho animado favorito ou a releitura cômica de alguma obra artística, ainda que na infância? A utilização de personagens e paródias pela indústria da moda é bastante comum; principalmente, por adolescentes e pelos geeks[ii].
Este sucinto texto tem intuito de esclarecer alguns dos limites e hipóteses quanto ao uso de personagens e paródias pela indústria da moda, à luz da vigente legislação e de recentes julgados pátrios.
Preliminarmente, ressalte-se que a proteção de um personagem pode se dar mediante a aplicação da Lei de Direitos Autorais (LDA)[iii] e/ou da Lei da Propriedade Industrial (LPI)[iv], in casu, por registro de marca (apresentações figurativa ou mista).
No tocante aos Direitos do Autor, destaque-se que: (a) a LDA é necessária para proteger o autor, assegurando-lhe o direito exclusivo de explorar, economicamente, a sua obra; (b) pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou[v]; (c) Direitos patrimoniais são considerados aqueles exclusivos de utilização, publicação ou reprodução de obras intelectuais[vi], os quais podem ser cedidos, de forma onerosa ou não, e perduram por 70 anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de falecimento do autor[vii]; (d) Direitos morais são aqueles abrigados nos dispositivos gerais da tutela da expressão (o direito de fazer pública a obra) e de resguardo da entretela moral da vida humana, ressaltando o direito à liberdade de expressão no tocante à nominação, retirar a obra de circulação, ao inédito, integridade e alterações[viii]: direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica[ix], sendo tais direitos inalienáveis e irrenunciáveis[x], e intransmissíveis (pode o autor fazer a cessão apenas dos seus direitos patrimoniais[xi]).
Para perfeito entendimento do acima exposto, tem-se como exemplo prático, ainda que fora do texto da indústria da moda, recente caso em que um youtuber brasileiro, propositalmente, riscou uma obra de arte exposta no quarto do hotel onde se encontrava hospedado, de modo a alterar a originalidade daquela. Segundo ele, a gerente do hotel era sua amiga e havia permitido tal atitude. Ainda que isso fosse verdade, o fato é que o comprador de uma obra de arte só adquire os direitos patrimoniais, restando ao autor os respectivos direitos morais, os quais englobam o direito de não ter sua obra alterada. Em nota publicada na mídia, a autora da obra artística violada afirmou que iria ajuizar uma ação de indenização por danos morais.
De forma objetiva, qualquer que seja a utilização de personagens – ou de outras criações protegidas pela LDA – carecerá de prévia autorização do autor. A ausência da autorização supra enseja na infração à legislação que protege os direitos autorais e torna devida a ação de indenização por danos materiais e morais[xii].
Pela LPI, tem-se ainda a possibilidade de o personagem estar protegido através do registro de marca[xiii]: de natureza figurativa ou mista. Nessa situação, os direitos do titular da marca podem ser renovados, indefinidamente, a cada 10 anos.
Em segundo plano, aborda-se o significado de paródia, que é uma releitura cômica de algo, utilizando – geralmente – a ironia e o deboche.[xiv] Aqui, pergunta-se: é possível o uso de paródias sem autorização do autor da obra original? Há veto para o uso comercial? Quais os limites das conotações possíveis da paródia?
Entende-se a paródia como uma das limitações do direito de autor[xv], a qual determina serem livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Essas são as condições para que determinada obra seja parodiada sem a necessidade de autorização do seu titular.
Ademais, é relevante ainda mencionar que a manifestação do pensamento pela paródia pode ou não haver conotação comercial, de modo que tal requisito é dispensável à licitude e conformidade[xvi]. No entanto, não pode a paródia ser confundida, por exemplo, com alteração de trecho/refrão de música nacionalmente conhecida para atender aos interesses de terceiros[xvii], sob pena de aplicação da teoria da presunção do dano[xviii].
Por fim, frisa-se que “o juízo acerca da licitude da paródia depende das circunstâncias fáticas de cada caso concreto e envolve um certo grau de subjetivismo do julgador ao aferir a presença dos requisitos de comicidade, distintividade e ausência de cunho depreciativo”[xix].
[i] Professor de Propriedade Intelectual. Advogado e sócio do escritório Coutinho Advocacia, em Recife – PE. Pós-graduado em Direito Contratual (UFPE) e em Direito e Processo do Trabalho (Anhanguera). Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação (Profnit/UFPE). Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco (OAB-PE). Coordenador do núcleo de Propriedade Intelectual da Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA-PE). Membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI).
[ii] Termo utilizado para designar pessoas que são fãs de tecnologia, eletrônica, jogos eletrônicos ou de tabuleiro, histórias em quadrinhos, livros, filmes e séries.
[iii] Lei n. 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA).
[iv] Lei n. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI).
[v] LDA, art. 22.
[vi] BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual – Tomo I. 1ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2013.
[vii] LDA, art. 41.
[viii] BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual – Tomo I. 1ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2013.
[ix] LDA, art. 28.
[x] LDA, art. 27.
[xi] LDA, art. 49.
[xii] REsp 1342266/PE, de 05/05/2017.
[xiii] Processo administrativo n. 006126340, da marca mista “Mickey Mouse”, perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI.
[xiv] Fonte: Wikipédia.
[xv] LDA, art. 47.
[xvi] REsp 1548849/SP, de 04/09/2017.
[xvii] AREsp 1392792, de 01/04/2019.
[xviii] LDA, art. 108.
[xix] REsp 1597678/RJ, de 24/08/2018.
Autoria Dr. Marcelo Porto | Clipping LDSOFT