Marco Antonio de Oliveira
Resumo: O presente estudo tem por finalidade analisar a influência da marca nos atos de concentração de empresas. Sabe-se que um ato de concentração requer especial cuidado de avaliação para que não se permita ato que possa desencadear, preponderantemente, efeitos negativos à concorrência. Para o melhor exame da concentração, é necessária especial atenção à marca, uma vez que a mesma pode exercer grande ação nos efeitos econômicos que a concentração acarretará. Para tanto, faz-se necessária prévias elucidações aos direitos antitruste e intelectual. Os eventuais impactos de ordem econômica, possíveis prejuízo à estrutura de mercado e ao consumidor também serão objeto de análise do estudo, bem como alguns casos submetidos ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
Palavras-chave: direito antitruste. atos de concentração. marca.
Sumário: 1. Introdução – 2. Da Conexão entre os Direitos Antitruste e Intelectual – 3. Breve Noção dos Atos de Concentração – 4. Da Influência da Marca na Análise das Concentrações – 5. Estudo de Casos Submetidos ao CADE – 6. Conclusão – 7. Referências Bibliográficas
1 INTRODUÇÃO
Os atos de concentração de empresas¹ são cada vez mais comuns.² Em
uma economia globalizada, onde agentes econômicos de diferentes países disputam
mercado em praticamente todo o mundo, inclusive no Brasil, é quase uma
obrigatoriedade para empresas nacionais, que desejam ganhar mercado
internacional, o fortalecimento por meio da unificação de comando entre empresas.
1 São atos de concentração de empresas a junção do comando empresarial de duas ou mais
empresas anteriormente independentes. Esta unificação pode ser por meio da aquisição,
incorporação ou fusão entre duas ou mais empresas. Segundo Paula Forgioni, “o termo concentração geralmente vem empregado no campo do antitruste para identificar as situações em que os partícipes (ou ao menos alguns deles) perdem sua autonomia (o que ocorre em operações de fusão, incorporações etc.), ou constituem uma nova sociedade ou grupo econômico cujo poder de controle será compartilhado.” (FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 465)
2 A Lei nº 12.529/2011 deu especial atenção aos atos de concentração de empresas: “Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I – 2 (duas) ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.” (BRASIL, Lei de Defesa da Concorrência. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Disponibilizado em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em 15 out. 2015)
Ainda que o mercado exterior não seja o objetivo central, por vez, há necessidade
de concentração para sobrevivência no próprio mercado interno.³
A concentração significa, aos olhos dos agentes econômicos envolvidos, uma oportunidade de obter mais competitividade. Competitividade que se traduz em força econômica para conseguir parcela significativa do mercado relevante que seja suficiente para garantir estabilidade e a lucratividade almejada.
Para os demais agentes econômicos concorrentes das empresas unificadas, o ato pode lhes soar como algo problemático. A princípio, uma concentração de empresas faz com que a mesma se torne mais forte em relação aos outros competidores. O aumento de poder econômico derivado da concentração tende a agir como um imã que atrai mais poder financeiro, na forma de lucro.
Se para os agentes econômicos que optaram pela concentração a mesma
lhes traz benefícios e, para as empresas participantes do mercado relevante onde se
deu a concentração esta lhes parece maléfica, para o consumidor os efeitos podem
ser positivos ou negativos dependendo de como o comando unificado e os concorrentes irão reagir ao ato.
Todavia, os atos de concentrações que preenchem determinados requisitos legais devem, antes, passar por uma avaliação do poder público, na figura do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE5, justamente com a finalidade de assegurar ou, ao menos, tentar diminuir de todos os modos possíveis,
3 Os atos de concentração ocorrem, em geral, para tentar aumentar a competitividade das empresas frente a outras grandes empresas, muitas das vezes impulsionada pela globalização, onde empresas nacionais veem a necessidade de se juntarem a outras empresas nacionais ou estrangeiras para poder alavancar o grau de competitividade no mercado internacional ou, mesmo, doméstico. Com o ato de concentração, as empresas unificadas passam a ter maior poder de investimento, possibilitando maior progresso tecnológico, diminuição dos custos, e acarretando em maior eficiência econômica.
4 A unificação de empresas participantes de um mesmo mercado relevante faz com que parte da concorrência seja suprimida.
5 O CADE, estruturado pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos, tem, dentre diversas atribuições, a função de decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades cabíveis, ordenar providências para fazer cessar a infração, aprovar termos de compromisso de cessação de infração, apreciar processos administrativos de atos de concentração e aprovar acordos em atos de concentração.
as chances da concentração criar problemas de infração à ordem econômica,
afetando negativamente o consumidor e a estrutura de mercado.[6]
É este, pois, o grande desafio do CADE, conceder ou não o aval para a
finalização dos atos de concentração, considerando, para tanto, os efeitos benéficos
ou maléficos à coletividade.
E, é exatamente neste ponto que a marca[7], sinal distintivo que tem por
finalidade auxiliar o consumidor nas suas escolhas ao mesmo passo que visa
proteger o investimento do proprietário da marca[8], deve ser levada em consideração
na análise das concentrações.
A marca exerce significativo poder de atração junto ao consumidor,
influenciando diretamente nos seus hábitos de consumo.[9] Assim, é,
6 Conforme explica Carlos Eduardo Neves de Carvalho, a “infração à ordem econômica compromete
as estruturas do livre mercado, afetando as empresas concorrentes e prejudicando todo o mercado
consumidor de determinado produto ou serviço”. (CARVALHO, Carlos Eduardo Neves. Uma Breve
Análise sobre a interface entre Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência. Revista da ABPI
Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 124, de Mai/Jun 2013. P. 41)
7 A definição, dada por Gama Cerqueira, compreende a marca como o sinal inserido em determinado
bem para distingui-lo dos demais. (CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial.
Vol. I. Parte I. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. P. 253-264.)
8 Neste sentido, Denis Borges Barbosa asseverou que “o interesse constitucional nas marcas é o de
proteger o investimento em imagem empresarial, mas sem abandonar, e antes prestigiar, o interesse
reverso, que é o da proteção do consumidor” (BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade
Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P. 409)
9 Conforme ensina Luís Couto Gonçalves, além da função distintiva, que é a mais compreendida, a
marca pode exercer ainda papel qualitativo, publicitário e econômico. (GONÇALVES, Luís M. Couto.
Direito de Marcas. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. P. 18). Por função distintiva, entende-se a
atribuição da marca para distinguir produtos e serviços quanto a sua origem. Já a função de
qualidade da marca pode ser compreendida como a garantia de qualidade não enganosa. Neste
exato sentido, William Landes e Richard Posner afirmam que a marca deve exibir qualidade
consistente. Willian Landes e Richard Posner fazem ainda uma conexão entre as funções de
qualidade e publicitária da marca, quando afirmam que as marcas valiosas, assim o são, por
denotarem qualidade consistente e que uma empresa tem incentivo de desenvolver a marca somente
se está for capaz de manter a qualidade consistente. (LANDES, William M.; POSNER, Richard.
Trademark Law: An Economic Perpective. 30 Journal of Law and Economics 265 (1987).
Disponibilizado em: <https://cyber.law.harvard.edu/IPCoop/87land1.html>. Acesso em 20 out. 2015).
Nota-se que a função publicitária nada tem haver com a quase necessidade da marca aparecer em
publicidade para se promover. Neste ponto, a que se notar a “relação entre a intensidade do uso da
publicidade e o valor econômico da marca, segundo o qual quanto maior e melhor a utilização dos
meios de publicidade, maior o poder evocativo e atrativo de uma marca, e, por consequência, maior o
valor econômico representado por essa marca”. (MORO, Maitê Cecília Fabbri. Direito de Marcas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. P. 44). Por fim, Denis Borges Barbosa afirma ainda que a função
econômica da marca “serve para diminuir o esforço de busca do consumidor e cria incentivos para
instituir e manter a qualidade do produto” (BARBOSA, Denis Borges. Proteção das Marcas. Uma
Perspectiva Semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 16). A função econômica da marca se
manifesta como um feixe da função publicitária. As marcas que possuem boa imagem e reputação no
mercado, não raras às vezes, são mais valiosas do que todos os demais ativos da empresa,
preponderantemente, com base nas marcas que o CADE deverá pontuar sua
análise dos atos de concentração.
A marca possui fundamental relevância no modelo econômico atual, cuja
disputa por fatias de mercado justifica a constante e permanente competição entre
os agentes econômicos que nele atuam. Ocorre que todo o investimento e esforço
para fidelizar consumidores seriam inúteis caso esses fossem desprovidos de meios
de identificar aquilo que os agradam e que realmente desejam consumir.10
Daí a necessidade primária de criar sinais que distingam concorrentes,
uns dos outros, e auxiliem nas escolhas do consumidor. Dentre esses sinais
distintivos11, sem dúvida, a marca é o que exerce com mais perfeição tal função.
2 DA CONEXÃO ENTRE OS DIREITOS ANTITRUSTE E INTELECTUAL
Primeiramente, antes de adentrar na análise dos atos de concentração
sob a influência da marca, cumpre esclarecer a relação de complementaridade entre
os direitos intelectuais, no qual a marca está inserida, e o direito antitruste,
responsável pelas normas as quais os atos de concentração estão submetidos. [12] [13]
constituindo a marca o seu principal bem econômico. Neste mesmo sentido, Pierangeli ensina:“(…) a marca é para a empresa a base de sua comercialização, posto que torna conhecido o produto. Daí que se convertem em um ativo valiosíssimo da empresa. Torna-se um ponto fundamental para o
desenvolvimento econômico de um país a formação de um acervo de marcas nacionais de prestígio”.
(PIERANGELI, José Henrique. Crimes Contra a Propriedade Industrial e Crimes de Concorrência
Desleal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. P. 78-79).
10 Nicholas Economides afirma que as primeiras razões para a existência e proteção da marca são
facilitar a tomada de decisões do consumidor e criar incentivos para empresas produzirem produtos
de qualidade desejáveis. (ECONOMIDES, Nicholas S. The Economics of Trademarks. 78 TRM, 1998.
P. 526. Disponibilizado em:
<http://www.stern.nyu.edu/networks/Economides_Economics_of_Trademarks.pdf>. Acesso em 20
out. 2015)
11 Além da marca registrada, “há, no direito vigente, uma série de signos distintivos cuja proteção
resulta apenas das regras de concorrência desleal: marcas não registradas, títulos de
estabelecimento, insígnia, emblemas, recompensas industriais, sinais e expressões de propaganda.”
(BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P.
125)
12 “Nesse sentido, é possível constatar que a Constituição Federal vislumbra a propriedade intelectual
e o direito da concorrência como instrumento complementares de promoção de inovação e
desenvolvimento econômico, gerando eficiências econômicas – estáticas e dinâmicas – que
resultaram em ganhos de bem-estar social.” (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito
da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 261).
13 “(…) o Direito da Propriedade Intelectual e o Direito da Concorrência, na medida em que se
relacionam, devem ser objetos de uma análise conjunta, exigindo-se uma harmonização que
possibilite uma maior eficiência na produção e implementação de políticas públicas. Assim, são
direitos complementares na medida em que ambos objetivam fomentar a inovação e,
consequentemente, a concorrência, em benefício dos consumidores.” (CARVALHO, Carlos Eduardo
Pode parecer que os direitos antitruste e intelectual são antagônicos, uma
vez que o primeiro visaria proteger a concorrência enquanto o segundo forneceria
meios de restringi-la. Entretanto, este entendimento se encontra superado.14
Isto, pois, percebeu-se que os dois direitos têm o mesmo objetivo,
estimular o desenvolvimento social, econômico e tecnológico, por meio do incentivo
a concorrência.15
A competição faz com que os agentes econômicos procurem desenvolver
novas técnicas para superar o concorrente. Contudo, caso não houvesse proteção,
os agentes não teriam estímulos suficientes para investir tempo e capital em
inovação e melhorias.
É aí que os direitos intelectuais exercem seu papel de proteção ao
investimento ao mesmo tempo em que estimulam novos investimentos em
tecnologia, o que acarretará na criação de novos produtos, melhor qualidade dos
bens ofertados e redução de preços, beneficiando diretamente o consumidor.
Por certo que, do ponto de vista do agente econômico detentor de um
direito intelectual, o uso do seu direito visa reduzir o âmbito de atividade do
concorrente, que, por sua vez, enxerga o direito intelectual como algo prejudicial ao
seu negócio.
Contudo, esta tensão de mercado é tão comum quanto natural, onde
agentes disputam acirradamente parcela do mercado. No entanto, o uso do direito
Neves. Uma Breve Análise sobre a interface entre Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência.
Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 124, de Mai/Jun 2013.
P. 42)
14 “Durante a primeira metade do século XX, prevaleceu o entendimento de que existia um conflito
entre as normas de propriedade intelectual e as normas antitruste. Tal entendimento se baseava na
premissa de que os direitos de propriedade intelectual criam verdadeiros monopólios em determinado
mercado relevante de produtos ou serviços, ao passo que o direito antitruste tem como uma de suas
principais funções justamente reprimir monopólios e seus efeitos anti-concorrenciais.” (ANDRADE,
Gustavo Piva. A Interface entre a Propriedade Intelectual e o Direito Antitruste. Revista da ABPI
Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 91, de Nov/Dez 2007. P. 33)
15 “A exclusividade conferida ao titular de direitos de propriedade intelectual estimula a inovação e
promove a concorrência, na medida em que os agentes econômicos são forçados a investir em
qualidade e inovação para diferenciar seus produtos em relação aos de seus concorrentes e, assim,
maximizar seus lucros e garantir maiores fatias do mercado. Essa dinâmica da concorrência pela
inovação e superação, que constitui o ponto de convergência entre a propriedade intelectual e o
direito antitruste, contribui para o progresso técnico e crescimento econômico, em benefício dos
consumidores, que terão maiores opções de escolha no mercado.” (LILA, Paulo Eduardo.
Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 64)
intelectual não pode servir de argumento para qualquer tipo de conduta. Assim como
os demais direitos de propriedade, tal uso sofre limitação quando o é realizado de
forma abusiva ou de modo a prejudicar a concorrência.16
A marca que possui elevado grau de prestígio junto ao público
consumidor, por exemplo, tem a capacidade de reservar parcela de mercado que,
dependendo do nível de dominação do mercado relevante, seu titular poderá agir
como se monopolista fosse.17
Todavia, essa dominação de mercado alcançada através de eficiência
concorrencial do agente econômico, não só não pode como não deve ser alvo de
intervenção antitruste. Isto, pois, não se poderia punir um agente econômico por seu
sucesso decorrente de prática competitiva leal e eficiente. No entanto, caso o agente
haja de forma abusiva18, seja para obter o domínio de mercado relevante seja para
permanecer com este domínio restringindo a concorrência ou, ainda, aumentando
arbitrariamente seus lucros, aí sim, o direito antitruste deve se encarregar de
solucionar o problema, podendo, inclusive, restringir direitos intelectuais.19
Neste exato sentido, Paulo Lila esclarece que “é certo que o exercício de
direitos de propriedade intelectual não está imune a incidência da Lei Antitruste”20.
Por fim, o referido jurista defende ainda que “os órgãos brasileiros de
defesa da concorrência devem atuar para reprimir práticas restritivas da
16 “A intervenção antitruste em Direito da Propriedade Intelectual só se justifica em situações nas
quais existe abuso do direito da exclusividade de uso do ativo intangível”. (CARVALHO, Carlos
Eduardo Neves. Uma Breve Análise sobre a interface entre Propriedade Intelectual e Direito da
Concorrência. Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 124, de
Mai/Jun 2013. P. 42)
17 “(…) quando existe poder de mercado e o agente extrapola o que seria necessário para proteger a
sua inovação, causando lesão à concorrência ou impondo barreiras á entrada de novos
competidores, a prática não só pode, como deve, ser reprimida.” (ANDRADE, Gustavo Piva. A
Interface entre a Propriedade Intelectual e o Direito Antitruste. Revista da ABPI – Associação
Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 91, de Nov/Dez 2007. P. 40)
18 José de Oliveira Ascensão define abuso se posição dominante como a “utilização de uma posição
vantajosa para ditar regras que atingem a fluidez da concorrência” (ASCENSÃO, José de Oliveira.
Concorrência Desleal. Coimbra: Almedina, 2002. P. 592.)
19 “É precisamente o abuso no exercício dos direitos de propriedade intelectual, e não o exercício
regular de tais direitos que pode constituir infração à ordem econômica, a ser coibida pelas
autoridades antitruste”. (BLASI. Marcos Chucralla Moherdaui. Propriedade Intelectual e Direito da
Concorrência: premissas de análise e apontamentos sobre a jurisprudência brasileira e estrangeira.
Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 116, de Jan/Fev 2012.
P. 58)
20 (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin,
2014. P. 261)
concorrência a partir do uso abusivo de direitos intelectuais”21, que é o que ocorre
em parte com a análise dos atos de concentração.22
3 BREVE NOÇÃO DOS ATOS DE CONCENTRAÇÃO
Ato de concentração de empresas nada mais é do que a unificação de
poder econômico em prol de um ou mais agentes econômicos atuantes dentro de
um mesmo mercado relevante.
O ato de concentração tem o potencial de gerar efeitos benéficos, como o
aumento da capacidade de produção, o desenvolvimento tecnológico, a inovação, a
redução de gastos, a diminuição dos riscos empresariais, a maior capitação de
investimentos externos com o aumento do valor da empresa e a possibilidade do
crescimento do lucro, o investimento em publicidade, a captação de mais mão de
obra qualificada, a expansão territorial da empresa, a facilidade na captação de
matérias primas, a facilidade de distribuição da produção e a maior independência
da empresa em relação ao Estado.
Todavia, ao mesmo tempo, um ato de concentração requer maiores
cuidados para que a posição dominante de um agente econômico num determinado
mercado relevante não gere abuso de poder, aumento arbitrário dos lucros, ou
restrição a livre iniciativa e a livre concorrência, casos em que a concentração pode
gerar um cenário desfavorável aos concorrentes e ao consumidor.
Por esta razão, para aprovação de determinadas concentrações, é
essencial a análise de alguns elementos.
Primeiramente, a análise deverá recair sobre o mercado relevante em
questão, conforme preceitua Paulo Lila23.24 Delimitado o mercado, passa-se a
21 (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin,
2014. P. 262)
22 “Desse modo, a política de defesa da concorrência passa a servir como espécie de ‘filtro externo’ a
disciplinar as condutas de agentes econômicos que abusam de seus direitos de propriedade
intelectual como estratégia para restringir ou eliminar a concorrência. Evidentemente, as leis antitruste
não interferem na concessão dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas impõe condições
para a exploração desses direitos com objetivo de evitar os efeitos negativos decorrentes de
estratégias anticoncorrenciais.” (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da
Concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 57-58)
23 LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin,
2014. P. 69.
analisar quem são os agentes econômicos que ali atuam e qual o grau de
participação de cada um deles e qual a dinâmica do mercado relevante.[25]
Em seguida, é necessário saber se há barreiras à entrada de novos competidores e se
há concorrência potencial, para, então, ser possível concluir se o ato será capaz de
proporcionar, ou não, o ganho de eficiência econômica.
Paula Forgioni define mercado relevante como “aquele que se travam
relações de concorrência ou atua o agente econômico cujo comportamento está
sendo analisado”[26] [27]
Tarefa não tão simples é a delimitação do que vem a ser o mercado
relevante. Há dois elementos que devem ser considerados para que se aproxime de
um mercado relevante, o espaço geográfico e o tipo de produto ou serviços
ofertados, este último também denominado de mercado relevante material.[28] [29]
Uma forma de determinar o mercado relevante é a aplicação do
denominado “teste do monopolista hipotético” que, conforme explica Paulo Lila, “o
mercado relevante corresponde ao menor grupo de produtos e a menor área
24 Tanto a restrição à concorrência, quanto o domínio de mercado e o abuso de posição dominante,
devem ser analisados a partir da delimitação de um determinado mercado, o que vem a ser o
mercado relevante.
25 “(…) a busca do mercado relevante passa pela identificação das relações (concretas, ainda que
potenciais) de concorrência de que participa o agente econômico.” (FORGIONI, Paula A. Os
Fundamentos do Antitruste. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P. 232)
26 FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. P. 231
27 Outra definição é dada por Gilberto de Abreu Sodré Carvalho ao diferenciar a visão do direito
concorrencial privado e público: “mercado relevante é o nome que se pode dar a essa rede
intersubjetiva jurídica entre os titulares de direito de propriedade empresarial, enfatizando-se que a
sua visualização como um sistema intersubjetivo jurídico é a útil para o nosso direito concorrencial
privado, não sendo a concepção geográfica econômica, em que o espaço físico, o marketplace, é o
indutor, visão essa suficiente para o direito concorrencial público”. (CARVALHO, Gilberto de Abreu
Sodré. Responsabilidade Civil Concorrencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. P. 57)
28 Em suma, tem-se por mercado relevante geográfico o espaço geográfico físico onde agentes
econômicos disputam a mesma clientela. Pode-se averiguar o mercado relevante geográfico quando
um agente aumenta os preços de seus produtos e grande parte dos consumidores deixa de consumilo
em prol de outros agentes. É possível afirmar que o mercado relevante geográfico em que atua o
primeiro agente abrange toda a extensão territorial do local dos demais agentes onde os
consumidores passaram a consumir o produto em questão.
29 Por sua vez, o mercado relevante material é aquele em que agentes econômicos concorrem em
razão da fungibilidade dos produtos. Em outras palavras, verifica-se a susbtitutibilidade entre
determinados produtos tendo em vista determinado público consumidor. Se determinado produto
sofrer um aumento de preço e o consumidor deixar de comprá-lo para adquirir outro produto o qual o
satisfaça da mesma forma, pode-se considerar este produto como concorrente daquele. Nesse caso,
ambos os produtos fazem parte do mesmo mercado relevante de material.
geográfica necessários para um ‘monopolista hipotético’ tenha condições de impor
um pequeno, porém significativo e não transitório, aumento de preços”.30
Outro ponto que deve ser levado em consideração na análise de um ato
de concentração é a existência de concorrência potencial e as barreiras à entrada de
novos agentes econômicos no mercado relevante em questão.
Isto, pois, ainda que não haja concorrência atual, a concorrência potencial
é capaz, se não de fazer com que o agente econômico que detém posição
dominante não tenha comportamento de monopolista, ao menos intimidá-lo.31
Além disso, a concorrência potencial está diretamente ligada à ausência
de barreiras à entrada de novos competidores. Caso não haja barreiras à entrada, é
possível surgir empresas que disputem o mercado com o agente em posição
dominante.32
4 DA INFLUÊNCIA DA MARCA NA ANÁLISE DAS CONCENTRAÇÕES
Sabe-se que a análise dos atos de concentração deve recair sobre a
estrutura de mercado33, a existência de barreiras à entrada34, concorrência em
potencial35 e, por fim, a geração de eficiência econômica36.
30 LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin,
2014. P. 67
31 A concorrência potencial pode configurar-se através da ameaça de um forte agente econômico
estrangeiro de ingressar no mercado nacional. Também pode ocorrer no mercado doméstico, quando
agentes econômicos menores que não estejam produzindo o máximo de seu potencial, passem a
produzir mais com preços menores visando atender parte do mercado do agente dominante no caso
deste agente em posição dominante aumentar os preços de seus bens.
32 Existem dois tipos de barreiras à entrada de novos competidores num determinado mercado
relevante, as quais podem ser divididas em barreiras naturais e artificiais (FILHO, Calixto Salomão.
Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 165). As barreiras naturais
seriam, basicamente, o tipo de investimento inicial para iniciar determinada atividade econômica,
cujos custos são os chamados irrecuperáveis. Além disso, pode haver necessidade de conhecimento
específico, como mão de obra especializada, ou ainda, a necessidade de autorização de entidades
governamentais e não governamentais para o desempenho daquela atividade. Por sua vez, as
barreiras artificiais estariam relacionadas às preferências e hábitos do consumidor, muitas vezes
influenciadas por determinado agente econômico, por meio, por exemplo, de publicidade maciça.
33 Aqui inclui o estudo do mercado relevante, das empresas concorrentes e suas parcelas de
participação no mercado, adinâmica do mercado em questão, bem como os possíveis impactos da
futura concentração na estrutura de mercado.
34 Neste caso, deve se averiguar tanto as barreiras naturais – investimento inicial e condições de
dificuldade para o início de determinada atividade econômica – quanto às barreiras artificiais – força
das marcas e hábitos dos consumidores, por exemplo.
10
Igualmente, é sabido que nem toda concentração ocasiona efeitos
negativos ao consumidor. Por vezes, pode até restringir de certa maneira a
concorrência, mas, nem por isso, seus efeitos são negativos para a sociedade.37
Assim é que os atos de concentração que tragam eficiência econômica,
decorrendo em benefícios a sociedade devem ser permitidos.38
Calixto Salomão Filho explica que “no mercado concentrado, a união
entre empresas pode ser necessária à sobrevivência econômica da empresa, e não
um ato tendente a criar poder de mercado”39. Isso porque “o aumento do poder da
nova empresa que se firma pode servir como contrapeso ao poder do outro
participante ou dos outros participantes e tornar o mercado mais competitivo”40.
Há mercados em que a concentração natural41 é tão grande por uma
empresa que a unificação de concorrentes, ainda que, aparentemente, diminua a
concorrência, pode ser útil para aumentar a competitividade.
Corroborando com este entendimento, “existem várias evidências
empíricas de que a introdução de um concorrente de peso em um mercado
monopolizado aumenta substancialmente a competição. A tendência é de queda nos
preços e de melhoria na qualidade de ambos os produtos”42.
35 Pode ser um poderoso agente econômico estrangeiro que tenha pretensão de entrar no mercado
doméstico ou empresas nacionais de pequeno e médio porte que podem aumentar a produtividade
para suprir determinada demanda.
36 A eficiência econômica pode ser representada pelo o aumento da capacidade de produção, o
desenvolvimento tecnológico, a inovação, a redução de gastos, a maior capitação de investimentos
externos com o aumento do valor da empresa e a possibilidade do crescimento do lucro, a expansão
da empresa com a criação de empregos, etc.
37 “(…) é imperioso destacar que a Lei Antitruste proíbe os atos de concentração que impliquem
eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar
posição dominante, ou possam resultar em dominação de mercado relevante de bens ou serviços,
ressalvadas as exceções (…) compreendidas como eficiências econômicas capazes de justificar a
aprovação dos atos de concentração potencialmente lesivos à concorrência”. (LILA, Paulo Eduardo.
Propriedade intelectual e Direito da Concorrência. São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 269)
38 É preciso sopesar os malefícios e benefícios para a coletividade para que se chegue a uma
conclusão. Caso os últimos sejam maiores que os primeiros, a concentração pode ser permitida.
39 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 157
40 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 157
41 Decorrente de uma melhor eficiência competitiva de um determinado agente econômico em relação
aos demais.
42 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 157
11
Isso porque, ainda que existente um duopólio, por exemplo, a
concentração de mercado relevante por duas empresas pode levar a uma rivalidade
saudável ao consumidor, onde a disputa por fatias do mercado e a garantia de
retorno do capital investido, soa como um estímulo ao investimento em inovação,
criação de novos produtos, melhoria na qualidade dos produtos existentes e redução
de preços.
Com maior aporte financeiro e perspectiva de lucro, estes agentes
econômicos tem capacidade e vontade para gerar desenvolvimento tecnológico e
econômico.
Por outro lado, a análise do ato de concentração deve tomar especial
cuidado com a marca, que dependendo do seu grau de conhecimento e reputação
junto ao consumidor, pode ser objeto de grande vantagem comercial.43
A marca ao proteger o investimento privado44, permite o acúmulo de
capital e a segurança necessária para estimular a melhoria na qualidade dos bens,
redução dos custos de produção, inovação, surgimento de novos produtos,
desenvolvimento tecnológico, expansão da atividade empresarial com a geração de
postos de trabalho, e criação de uma reputação.
43 “Fusão e aquisições são atos de concentração empresarial que, usualmente, envolvem a
transferência de grandes portfólios de ativos intangíveis. Muitas vezes, a propriedade intelectual
detida pelas empresas envolvidas é tão significativa ou estratégica que tais ativos passam a ser o
ponto central da análise do próprio ato de concentração. Isso acontece não só em relação às
patentes e aos direitos autorais, como também em relação às marcas. Sob a perspectiva do sistema
de defesa da concorrência, as marcas são geralmente vistas como barreiras à entrada de novos
competidores porque, em função da sua tradição e reputação, elas se transformam em verdadeiros
magnetos de atração de clientela. Criam, pois, um elo de fidelidade produto-consumidor tão intenso
que acabam eliminando a possível elasticidade cruzada do produto com seus similares,
transformando-se numa grande vantagem do titular em relação aos seus concorrentes.” (ANDRADE,
Gustavo Piva. A Interface entre a Propriedade Intelectual e o Direito Antitruste. Revista da ABPI –
Associação Brasileira da Propriedade Intelectual. Edição nº 91, de Nov/Dez 2007. P. 44)
44 A ausência de proteção do agente econômico sob o instituto marcário, poderá conduzir a um
cenário econômico e social preocupante, conhecido como a tragédia dos comuns. Melhor explicando,
se todos os agentes econômicos se utilizam livremente do esforço de um único agente econômico
inovador, por exemplo, copiando-o sem qualquer contraprestação razoável, o agente inovador não
terá mais estímulo para continuar inovando, levando a estagnação do desenvolvimento tecnológico e,
consequentemente, social e econômico. Como explica Fernando Araújo, com “essa deficiência de
incentivos, a tendência será o sub-investimento”. (ARAÚJO, Fernando. A Tragédia dos Baldios e dos
Anti-Baldios: o problema econômico do nível óptimo de apropriação. Lisboa, Ed. Almedina, 2008.)
12
Por outro lado, a marca cria uma espécie de poder de mercado45,
decorrente da sua função publicitária46 e econômica47. O alto investimento em
publicidade e as boas práticas comerciais podem formar uma excelente reputação
da marca junto ao consumidor.
Ocorre que, essa “reserva de mercado” que certas marcas possuem
devido à lealdade do consumidor, formada por gosto ou hábito deste, pode levar ao
proprietário da marca a agir como monopolista, aumentando preços e diminuindo a
qualidade de seus produtos, dependendo do seu domínio de mercado e das
barreiras à entrada de novos competidores.
Ademais, a própria marca pode agir como barreira à entrada que,
conforme o grau de fidelidade do consumidor, inibe novos competidores a se
aventurarem naquele mercado.48
Calixto Salomão Filho esclarece que essas barreiras à entrada, além de
prejudicarem a concorrência, atingindo diretamente aos princípios da livre iniciativa e
da livre concorrência, possibilitam ao agente econômico agir conforme seu único
45 “Muitas vezes, o agente econômico, ainda que sujeito a um certo grau de concorrência, detém a
posição dominante em virtude da dependência que os consumidores mantêm do produto ou serviço.
Verifica-se, então, um baixo grau de elasticidade cruzada do produto, sendo bastante reduzida a
intercambialidade com semelhantes, ainda que satisfaçam necessidades idênticas do consumidor.
Este, por algum motivo, despreza outro produto que lhe traria igual utilidade, e continua a preferir
aquele de que habitualmente se utiliza. É o que ocorre, por exemplo, com muitas marcas de produto e
seus ‘fiéis’ consumidores. Não se trata, necessariamente, de considerar a priori os produtos
identificados por cada marca como um mercado relevante distinto. Entretanto, pode ocorrer que a
marca dê origem a uma falta de elasticidade cruzada do produto com seus similares, de forma a
assegurar a seu titular uma situação de independência e indiferença, típica da posição monopolista.”
(FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
P. 341)
46 A função publicitária é relacionado diretamente ao caráter apelativo da marca, medida pela sua
força atrativa para com o consumidor. Esta função é bastante criticada por fomentar a desigualdade
entre concorrentes, interferindo na escolha do consumidor, cujo comportamento se daria de forma
quase que irracional.
47 Já a função econômica, que não deixa de ser relacionada à função publicitária, refere-se ao valor
da marca.
48 Segundo Calixto Salomão Filho, há dois tipos de barreiras, as naturais e as artificiais. As primeiras
seriam a diferenciação entre produtos, o investimento inicial e os custos irrecuperáveis. As segundas
seriam a possibilidade de influenciar os hábitos do consumidor. O mencionado jurista assinala, por
exemplo, que a publicidade tem forte ação no gosto do consumidor. (FILHO, Calixto Salomão. Direito
Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 165-169)
13
interesse e sem incentivo para repartir o seu ganho econômico com o consumidor,
levando a uma situação de ineficiência econômica.49
Portanto, nos casos de análise prévia dos atos de concentração de
empresas que possuem marcas fortes e que são capazes de ampliar o domínio dos
agentes sobre determinado mercado relevante, requer-se muita cautela, podendo
até mesmo sofrer intervenção do direito antitruste.50
5 ESTUDO DE CASOS SUBMETIDOS AO CADE
A partir da década de 90, o CADE passou a ter grande destaque nos
noticiários ligados à economia com a análise dos atos de concentração de
empresas, cujas marcas eram de grande conhecimento do público geral.
Um dos primeiros grandes casos submetidos ao CADE foi a COLGATEKOLYNOS
no ano de 1997, que impactou o mercado de produtos de saúde e
higiene bucal.
Durante o processo, o CADE constatou que a KOLYNOS e a COLGATE
juntas detinham 80% de participação no mercado51, sendo que os demais
concorrentes detinham participação inexpressiva frente às duas marcas, e que essa
desigualdade marcava a ausência de rivalidade ou influência desses no
comportamento daqueles.
49 “(…) em presença dessas barreiras, diminui-se a possibilidade efetiva de concorrência. O agente
com poder de mercado cria para si um mercado cativo, impenetrável. Mais do que restrição à
liberdade de concorrência, há, nesses casos, uma restrição de liberdade de iniciativa, objeto de tutela
primária do direito concorrencial brasileiro. Por outro lado, inexistente a possibilidade de entrada de
concorrentes, o agente econômico pode exercer livremente seu poder monopolista sobre os
consumidores. (…) Não há sequer incentivo para divisão com os consumidores de qualquer ganho de
eficiência.” (FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. P. 164)
50 “(…) para os direitos de propriedade intelectual, é necessário aferir se a sua titularidade em si ou a
forma como ele é exercido confere ao detentor um poder de mercado que o assemelhe a um
monopólio, no sentido de não existência de produtos substitutos no mercado, a ponto de que ele
detenha controle total sobre os preços praticados ou proporcione expressivas barreiras à entrada (ou
mesmo empecilhos à manutenção no mercado) de outros concorrentes. Nesta hipótese, justificar-seia
a intervenção antitruste para repressão de tais condutas.” (BLASI. Marcos Chucralla Moherdaui.
Propriedade Intelectual e Direito da Concorrência: premissas de análise e apontamentos sobre a
jurisprudência brasileira e estrangeira. Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade
Intelectual. Edição nº 116, de Jan/Fev 2012. P. 58)
51 Sendo a marca KOLYNOS líder de mercado, ocupando a COLGATE a segunda posição.
14
Especialmente neste segmento de mercado, o CADE concluiu que a
concorrência era, basicamente, intermarcas, ou seja, o consumidor era induzido a
adquirir determinado produto pela reputação da marca e sua lealdade para com
esta.
Dessa forma, com o objetivo de evitar a eliminação da concorrência e
remover barreiras à entrada de novos concorrentes ou para o crescimento dos que
já estavam no mercado, o CADE determinou, como condição para aprovação da
aquisição da KOLYNOS pela COLGATE, que a COLGATE suspendesse a marca
KOLYNOS pelo período de quatro anos.
Essa decisão, em tese, encorajaria novos competidores a ingressarem no
mercado para suprir a carência do consumidor com relação a sua marca,
KOLYNOS.
Todavia, em que pese a COLGATE ter se desfeito da marca KOLYNOS,
aquela lançou no mercado outra marca, a SORRISO, com embalagem parecida com
a da antiga marca. Assim, a COLGATE conseguiu um substituto a altura para aquela
marca, continuando a liderar o mercado de creme dental.
Por sua vez, em decorrência do lançamento, o produto SORRISO entrou
no mercado com o preço mais baixo que a KOLYNOS, marca já consolidada, fato
também que forçou a queda de preço do produto COLGATE, o que favoreceu, ao
menos num primeiro momento, ao consumidor.
Em seu comentário sobre o caso, Calixto Salomão Filho afirma que “o
maior mérito dessa decisão está, sem dúvida, em ter percebido que, do ponto de
vista jurídico e econômico, a marca serve, hoje, precipuamente como forma de
consolidar gostos e preferências em torno de um determinado nome e não, como
ocorria no passado, como forma de garantir qualidade do produto”52.
Nota-se que uma forma da marca influenciar o consumidor é criar
intimidade com este, processo pelo qual, normalmente, se inicia ou se solidifica
52 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 316
15
através da publicidade maciça ou impactante. Assim é “que para a construção da
reputação de uma marca são comuns vultosos gastos em publicidade”53.
Por esta razão que, sendo a única empresa com enorme poder
econômico naquele mercado relevante, a COLGATE, investindo pesado na marca
SORRISO, conseguiu ocupar o espaço deixado pela marca KOLYNOS.
Neste ponto, entende-se que o CADE se equivocou ao não condicionar a
aprovação da concentração ao não lançamento de outra marca no lugar daquela
“extinta”, uma vez que, não tendo outros concorrentes com poder econômico à altura
da COLGATE, era evidente que a mesma, com o lançamento de um produto novo,
iria investir forte na construção de uma marca que preenchesse o vazio então
existente.
Em caso de proibição de lançamento de novo produto por determinado
período, possivelmente, novos concorrentes seriam encorajados a se lançar no
mercado para atender a demanda antes pertencente ao produto KOLYNOS.
Outro caso de destaque foi a fusão entre BRAHMA-ANTÁRTICA, em
1999, que deu origem a AMBEV, empresa que deteve na época 75% a 90% do
mercado nacional de cervejas. A AMBEV era dona das três marcas líderes de
mercado: ANTÁRTICA, BRAHMA e SKOL. A fusão tinha por objetivo aumentar a
competitividade para internacionalizar-se.
Como condição para aprovação do ato de concentração, o CADE
determinou a venda de cinco fábricas, bem como da marca BAVÁRIA, cuja
participação era de 7% do mercado. Devida há falta de prazo do CADE para que a
venda da BAVÁRIA fosse concluída, a AMBEV deixou de investir na marca e,
quando a venda se concretizou para a canadense MOLSON, a marca detinha
apenas 3% de participação de mercado.
No curso do processo, o CADE entendeu que a concentração beneficiaria
a sociedade, uma vez que resultaria em aumento da produtividade, melhoria da
qualidade dos produtos e proporcionaria eficiência e desenvolvimento tecnológico,
53 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 316
16
possibilitando grande competitividade no mercado internacional, ainda que trouxesse
certo prejuízo à concorrência, o que seria diminuído com a remoção de barreiras.
Assim, em que pese a enorme concentração gerada, aparentemente, o
negócio não foi ruim para o consumidor, pois que a concorrência demonstrou grande
competência. Além disso, marcas menores eram conhecidas do público e novas
marcas surgiram e se tornaram famosas.
Ademais, pode-se afirmar que a concentração impactou positivamente no
mercado, uma vez que o padrão de qualidade de cervejas nacionais aumentou e os
preços reduziram.
Outro fator que merece atenção e que hoje se pode constatar com
propriedade era a existência, já naquela época, de concorrência em potencial por
empresas estrangeiras, que em determinado momento ingressaram no mercado
nacional com marcas conhecidas, de boa qualidade e preços competitivos.
Um famoso caso é o da NESTLÉ-GAROTO, que teve início no ano de
2002, quando o CADE não aprovou a aquisição da GAROTO pela NESTLÉ, e até
hoje não há uma definição.
Em que pese ter acontecido à aquisição, o CADE não aprovou o negócio
sob o argumento de que a concentração teria alto poder lesivo à concorrência, uma
vez que geraria uma concentração de 58% do mercado de chocolates em geral,
chegando a 88% do mercado de cobertura de chocolate, o que criaria barreiras para
novos concorrentes e não geraria redução de custos suficientes para evitar o
aumento de preços. Se o negócio fosse aprovado, a empresa praticamente dividiria
o mercado com a KRAFT, detentora da LACTA.
Assim, como base na proteção do bem-estar do consumidor54, na
preservação da concorrência55 e em prol do princípio da livre iniciativa56, e tendo em
vista o não convencimento de que a concentração geraria eficiência produtiva, o
CADE optou por não aprovar o ato.
54 Não haveria garantias de redução de preços e melhoria na qualidade dos produtos.
55 Entendeu-se que a concentração eliminaria alguns players do mercado.
56 Uma vez que a concentração inibiria a entrada de novos concorrentes.
17
Antes do julgamento pelo CADE, as partes ainda assinaram um Acordo
de Prevenção de Reversibilidade da Operação – APRO, comprometendo-se a
manter as estruturas independentes e a não tomar decisões irreversíveis.
Portanto, o negócio está pendente de análise pela justiça. O que é certo é
que este impasse acarreta ineficiência – queda de preços, que beneficiariam o
consumidor -, uma vez que a as empresas estipulam seus preços de forma
coordenada, e a NESTLÉ continua investindo na GAROTO, mas não da forma que
investiria caso tivesse sido aprovado o negócio.
Nesse caso, parece que o CADE agiu de forma muito conservadora ao
proibir o ato de concentração alegando a concentração de mercado nas mãos de
duas empresas, o que criaria uma espécie de duopólio.
Conforme ensina Calixto Salomão Filho, a proibição da concentração
“muitas vezes se revela muito drástica e até mesmo ineficiente para a persecução
dos objetivos visados (preservação da concorrência e bem-estar do consumidor)”57.
Sabe-se que a concorrência é uma dos melhores meios de alcançar a
eficiência econômica, o que possivelmente desencadearia em inovação, redução de
preços e melhoria na qualidade dos bens.
Porém, há mercados em que a concentração possibilita o investimento em
inovação e desenvolvimento tecnológico, tendo em vista a necessidade de grande
quantidade de capital disponível e instrumentos para tanto, além da segurança de
retorno ao investimento.58
Ainda que não seja este o caso, e que a indústria de alimentícia não
necessite de grande concentração de capital para incentivo a inovação e
57 (FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 301)
58 Paulo Lila afirma que a teoria econômica concluiu que mercados competitivos são capazes de
gerar mais bem-estar social através da eficiência alocativa e produtiva do que mercados
concentrados ou monopolizados. Contudo, em contraponto a essa ideia, afirma que o economista
Joseph Schumpeter, defensor da concorrência como processo dinâmico no qual os concorrentes
visam maior participação de mercado, incentivando assim a inovação e diferenciação dos bens
ofertados, desde que não haja barreiras à entrada e que haja concorrência em potencial, à
concentração pode favorecer a capacidade para maiores investimentos tendo em vista o acumulo de
poder econômico para tanto. (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência.
São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 60-64 e 80-81)
18
desenvolvimento tecnológico59, é certo que, por vezes, o duopólio pode ser
suficiente para estimular a inovação, o aumento da qualidade dos produtos e a
redução de preços, desde que haja grande rivalidade entre os concorrentes, não
haja barreiras à entrada e exista concorrência potencial.60
Portanto, por vezes, o melhor caminho pode ser a aprovação da
concentração sob certas condições, como a transferência de marcas para um
terceiro agente econômico, por exemplo.61 62
Por fim, um caso de grande relevância é a SADIA-PERDIGÃO, ocorrido
em 2011 e que originou a BRASIL FOODS, cuja participação chega a 90% no
mercado de lasanhas e 70% nos produtos de presuntos, pizzas prontas dentre
outros do tipo.
Como condição para aprovação do negócio o CADE determinou: (i) a
suspensão das marcas PERDIGÃO em alguns segmentos – de três anos para
presuntos, linguiça e kit de festas suínos, quatro anos para salame, e cinco anos
para lasanhas, pizzas, kibes e frios saudáveis; (ii) a suspensão da marca BATAVO
por quatro anos para processados de carne; (iii) que a BRASIL FOODS não poderá
lançar novas marcas para estes segmentos e nenhum outro em que a SADIA tenha
concentração; (iv) que a BRASIL FOODS deverá vender ativos – fábricas e centros
de distribuição que representavam cerca de 80% da PERDIGÃO, marcas como
59 Não se tem conhecimento para afirmar ou negar esta assertiva.
60 Paulo Lila, concordando com os ensinamentos de Jonathan Baker, afirma que a concorrência
exerce influência na inovação, seja para desenvolver novos produtos ou para investirem na redução
de custos de produções e aumento da qualidade dos produtos existentes. No caso de duopólio, onde
a rivalidade é acirrada entre os agentes econômicos, não deixa de haver concorrência, valendo,
então, este ensinamento. (LILA, Paulo Eduardo. Propriedade intelectual e Direito da Concorrência.
São Paulo: Quartier Latin, 2014. P. 83)
61 “É possível que as partes possam e queiram comprometer-se a atingir ou perseguir os objetivos
necessários à aprovação da concentração. Caso isso ocorra, a provação condicional pode se revelar
instrumento bastante eficaz.” (FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed.
São Paulo: Malheiros, 2002. P. 302)
62 “Assim sendo, no sistema brasileiro o compromisso de desempenho (…) deve ser visto não como
um substituto de desaprovação da concentração, mas sim como uma alternativa à sua aprovação
pura e simples. (…) Inversamente, o compromisso de desempenho não pode ser usado em situações
em que não há confiança na obtenção das metas prometidas pelas empresas que se estão
concentrando.” (FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. P. 304)
19
RESENDE, WILSON, FIESTA, CONFIANÇA, DORIANA e ESCOLHA SAUDÁVEL
de preferência para uma única empresa – para criar um concorrente63.
A suspensão de marcas foi a forma encontrada pelo CADE para
possibilitar outros concorrentes de ingressarem no mercado e aumentarem o
investimento para suprirem aquela demanda, diminuindo o domínio de mercado das
empresas concentradas e incentivando a competitividade dos demais agentes
econômicos.
Outro ponto positivo foi a proibição do lançamento de novas marcas pelas
empresas concentradas, justamente para evitar a repetição do equívoco cometido no
caso COLGATE-KOLYNOS, uma vez que, caso não houvesse essa vedação, em
decorrência da demanda carente ocasionada pelas marcas “extintas” e do poder
econômico das empresas concentradas, possivelmente, estas lançariam novos
marcas o que inibiria novos concorrentes de se lançarem no mercado.
Ademais, a exigência quanto a venda de marcas possibilitou o
fortalecimento de outro agente econômico com o objetivo de fomentar a competição
entre eles.
Portanto, pode-se dizer que a estratégia tomada pelo CADE nesse caso
pareceu muito acertada.
Diante dessa análise, é importante destacar que o CADE vem
reconhecendo a importância da marca como grande responsável pela a criação e
manutenção de gostos e hábitos do consumidor, atuando como garantidora de
parcela de participação de mercado e, por isso, especialmente nos casos de
concentração, como forma de evitar grande domínio de mercado relevante e permitir
o desenvolvimento da concorrência na área que cabe a determinada marca,
condiciona a aprovação da concentração ao desfazimento, ainda que temporário, da
utilização da marca.
Por fim, Calixto Salomão Filho conclui que “a utilização do direito industrial
(marca) como forma de resolver um problema de direito concorrencial será tanto
63 As marcas e os ativos foram adquiridos pela MARFRIG.
20
mais efetiva quanto: (i) maior for o equilíbrio financeiro entre as empresas
remanescentes no mercado e (ii) mais bem distribuída e maior for a capacidade
ociosa das demais participantes do mercado.” 64
6 CONCLUSÃO
O presente estudo buscou analisar os atos de concentração de empresas
sob a percepção da marca. Demonstrou-se que a marca exerce considerável poder
de influência sob o consumidor e que, portanto, é merecedora de reflexão no
momento de avaliação dos atos, cujos efeitos, benéficos ou maléficos, despertam
interesse da sociedade e, por isso, demanda bastante cautela por parte do órgão
responsável por sua análise.
Assim, buscou-se relacionar o estudo da marca e a sua pertinência na
análise dos atos de concentração, permitindo entender melhor algumas decisões do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica acerca das concentrações e seus
resultados.
No primeiro grande caso analisado, COLGATE-KOLYNOS, em que pese
à preocupação demonstrada pelo CADE em relação à importância da marca e
fidelidade do consumidor, funcionando como uma espécie de reserva de mercado, o
órgão teria pecado ao não proibir o lançamento de outra marca pelas empresas
concentradas, onde na prática notou-se uma migração direta dos consumidores da
KOLYNOS, marca suspensa, para a SORRISO, marca substituta.
Este equívoco foi corrigido no mais recente caso analisado, SADIAPERDIGÃO,
em que o CADE não só suspendeu determinadas marcas das
empresas concentradas, como também vedou o lançamento de marcas substitutas
por certo período, o que, ao menos em tese, reduziu as barreiras à entrada e
incentivou o investimento e o crescimento da concorrência.
Assim, é possível concluir que o órgão supracitado vem reconhecendo,
em suas decisões, a relevância da marca como um dos fatores de ampliação do
domínio de posição dominante e criação e manutenção de barreiras artificiais à
64 FILHO, Calixto Salomão. Direito Concorrencial. As Estruturas. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
P. 317
21
entrada de novos concorrentes em determinado mercado relevante, condicionando,
por vezes, a aprovação do ato a exigências relacionadas à marca.
Dessa forma, procurou-se demonstrar por meio do presente trabalho que
os atos de concentração de empresas, cada vez mais comuns, merecem uma
análise cautelosa devido a sua importância à sociedade, devendo sua avaliação,
caso a caso, ser realizada com especial atenção às marcas.
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