Autora: Lilian Silva
Sumário: Introdução. 1. O INPI e sua inserção no ordenamento jurídico. 2. Natureza jurídica dos serviços prestados pelo INPI consoante disposição constitucional. 3. Natureza jurídica das retribuições auferidas pelo INPI. 4. Considerações acerca das tabelas de retribuições do INPI e as limitações constitucionais: não confisco; princípio da proporcionalidade; princípio da capacidade contributiva; e necessidade de efetiva contraprestação. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente artigo pretende esmiuçar o Direito da Propriedade Industrial sob a égide da Constituição Federal, demonstrando o seu caráter fundamental e cuja proteção é outorgada pelo Estado por meio de uma Autarquia Federal.
Essa análise faz-se necessária para verificar onde estão inseridos os serviços prestados pelo INPI no ordenamento jurídico brasileiro, para, então, tentar definir a natureza jurídica das retribuições instituídas por aquela Autarquia e averiguar a legitimidade (e legalidade) das cobranças em determinados serviços, assim como o correto modo de instituição das mesmas.
Este artigo abordará, ainda, uma análise da jurisprudência no que tange a cobrança de serviços públicos dentro do rol de taxas, tarifas e preços públicos.
- O INPI e sua inserção no ordenamento jurídico
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI é, como se bem sabe, uma Autarquia Federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, instituída nos termos da Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970 (em obediência ao princípio da reserva legal), regulamentada pelo Decreto nº 68.104, de 22 de janeiro de 1971, parcialmente revogado pelo Decreto nº 5.147, de 21 de julho de 2004 e, este último, revogado integralmente pelo Decreto nº 7.356, de 12 de novembro de 2010.
Tem como finalidade precípua, segundo disposto no artigo 2º da referida lei, “executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial”.
Muito embora o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências, tenha consignado em seu artigo 5º, inciso I, que se considera Autarquia “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”, o INPI não detém tais autonomias.
Inclusive, a autonomia administrativa e financeira do INPI é regra prevista no art. 239, caput, da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Senão, vejamos:
“Art. 239. Fica o Poder Executivo autorizado a promover as necessárias transformações no INPI, para assegurar à Autarquia autonomia financeira e administrativa, podendo esta:
I – contratar pessoal técnico e administrativo mediante concurso público;
II – fixar tabela de salários para os seus funcionários, sujeita à aprovação do Ministério a que estiver vinculado o INPI; e
III – dispor sobre a estrutura básica e regimento interno, que serão aprovados pelo Ministério a que estiver vinculado o INPI.
Parágrafo único. As despesas resultantes da aplicação deste artigo correrão por conta de recursos próprios do INPI.”
Não obstante, até a presente data, o INPI continua dependendo de autorização do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para, entre outras questões, promover concursos e receber recursos para custear suas despesas.
- Natureza jurídica dos serviços prestados pelo INPI consoante disposição constitucional
Como se bem sabe, trata-se a propriedade de um direito fundamental básico de primeira dimensão:
“A primeira dimensão de direitos fundamentais foi construída em 1789 com a revolução francesa e buscava impor limites à atuação do Estado e à criação de um Estado liberal; por isso, ficou conhecida como direito à prestação negativa (non facere) do Estado. São alguns exemplos os direitos à liberdade, à vida, à inviolabilidade de domicílio, correspondência, telefônica, à propriedade e assim por diante.”[1] [grifos nossos]
Assim é que a Constituição Federal consigna os direitos de propriedade industrial no rol do artigo 5º, in verbis:
Artigo 5º – (…)
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
Sob outro diapasão, o legislador constituinte tratou de definir quais são os serviços que podem ser objetos de autorização, concessão ou permissão. Senão, vejamos:
Art. 21. Compete à União:
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; [grifos nossos]
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
- a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
- b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
- c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
- d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
- e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
- f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
Do exposto, pode-se concluir que apenas os serviços de natureza não essencial podem ser objetos de autorização, concessão ou permissão.
Em sentido contrário:
“O aspecto da essencialidade, apontada por eminentes publicistas, apresenta-se, em nosso entender, com linhas de certo modo imprecisas. A essencialidade resulta do reclamo social para atividades reputadas básicas para a coletividade, mas tal caracterização não diz respeito à delegabilidade ou não do serviço. Há serviços públicos essenciais que são delegáveis a particulares, e nada impede que o sejam, desde que o Poder Público não se abstenha de controla-los e fiscalizá-los.” [CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2015, p. 336]
Luiz Emydio F. da Rosa Jr. [em Manual de Direito Financeiro & Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 17ª edição, p. 406] classifica os serviços públicos em três espécies: serviços públicos ínsitos à soberania do Estado, serviços públicos essenciais ao interesse púbico e serviços públicos não essenciais. Senão, vejamos:
“Pode-se classificar os serviços públicos em ínsitos à soberania do Estado, essenciais ao interesse público e não essenciais. Serviços públicos ínsitos à soberania do Estado são aqueles que somente podem ser prestados pelo Estado, tendo, portanto, natureza indelegável e o particular tem a opção de utilizá-los ou não, como o serviço judiciário e o da emissão de passaportes. Esse tipo de serviço público somente pode ser remunerado por taxa se houver prestação efetiva, ou seja, se o particular deles se utilizar. Serviços públicos essenciais ao interesse público são aqueles cuja prestação é de interesse geral, sendo sua utilização obrigatória para o particular porque a sua não utilização prejudicará a coletividade. Assim, o legislador pode instituir taxa pela sua utilização efetiva ou potencial, como, por exemplo, serviços de coleta de lixo. Serviços públicos não essenciais são aqueles prestados no interesse público, mas sua não utilização pelo particular em nada prejudica a coletividade, como, por exemplo, o serviço de correios e telégrafos. Tais serviços podem ser remunerados por taxa, embora seja mais adequada a sua cobrança através de preço público.” [grifos nossos]
Assim sendo, resta claro que os serviços prestados pelo INPI, assim como ocorre com os órgãos de proteção de direitos da propriedade industrial ao redor do mundo, tem natureza de serviços públicos inerentes ao exercício da soberania de Estado, não podendo, assim, serem prestados por particulares, mediante autorização, concessão ou permissão. São, portanto, serviços indelegáveis.
- Natureza jurídica das retribuições auferidas pelo INPI
Resta evidente, por todo o exposto, que os serviços efetivados pelo INPI têm obrigação pecuniária decorrente de sua contraprestação.
Nesse sentido, impõe-se necessária a classificação dessa obrigação remuneratória dentro do ordenamento jurídico brasileiro para se averiguar a necessidade ou não de obediência ao princípio da reserva legal e demais princípios constitucionais aplicáveis aos tributos em geral.
Assim dispõe a Constituição Federal quanto à classificação dos tributos:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I – impostos;
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. [grifos nossos]
Portanto, resta claro que, para instituição das taxas pela prestação de serviço, três são os requisitos essenciais: a utilização efetiva ou potencial do serviço público, a especificidade e divisibilidade de sua prestação e a efetividade da utilização ou a simples disponibilização do serviço.
Ademais, como se verifica, o disposto no artigo 150, VI, proíbe a cobrança de impostos por parte das Autarquias, mas não de tributos contraprestacionais. Senão, vejamos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
- a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(…)
- 2º A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. [grifos nossos]
Nesse sentido, convém destacar o art. 2º, §1º e §2º, da Resolução INPI nº 148, de 30 de julho de 2015 (que dispõe sobre normas de procedimentos relativos à devolução de valores recolhidos indevidamente), que menciona o seguinte:
Art. 2º Pelo procedimento de restituição o usuário é ressarcido pelo INPI de receita paga a maior ou indevidamente ao Instituto e que não foi aproveitada para o pagamento de outros serviços a serem protocolados.
- 1° Entende-se por devida toda retribuição prevista que, por sua vez faz, de alguma maneira, movimentar o sistema administrativo, originando despesa e gerando a contraprestação do serviço por parte desta Autarquia, e por indevida aquela que não gera consequências para o seu acionamento.
- 2° Considera-se acionada a máquina administrativa quando há dispêndio da força de trabalho de um servidor do INPI para tratar da retribuição recolhida, no exame de determinada questão, não importando que a decisão administrativa seja pela inviabilidade do pleito do usuário externo. [grifos nossos]
Não pairam dúvidas, portanto, de que as retribuições devidas ao INPI pelos serviços de concessão de direitos da propriedade industrial possuem caráter contraprestacional. Mas qual seria a natureza jurídica dessas retribuições?
Como se bem sabe, os serviços públicos de natureza contraprestacional podem ser remunerados por taxas (que podem ser de polícia ou de serviço, conforme previsto no art. 145, II, da CF) ou preços públicos/tarifas[2], muito embora estas últimas não tenham natureza de tributo, podem ser exigidas por pessoas jurídicas de direito privado, cuja prestação dos serviços são delegados por concessão, autorização ou permissão, e também por entes de direito público, desde que se tratem de serviços facultativos (ex. serviços prestados pela Caixa Econômica Federal, uma empresa pública).
Nesse sentido, convém destacar que as taxas de polícia decorrem do exercício regular do poder de polícia, assim definido no art. 78, caput, e parágrafo único, do CTN, e são devidas somente se houver efetivo e regular exercício desse poder pelo ente público (e.g. taxas de fiscalização de estabelecimentos comerciais).
No que diz respeito às taxas de serviço, pode-se afirmar que são aquelas atribuídas a serviços públicos divisíveis (art. 79, III, do CTN – o Estado consegue identificar os usuários do serviço cuja taxa é atribuída) e específicos (art. 79, II, do CTN – o contribuinte consegue identificar o serviço pelo qual está pagando).
Em ambos os casos (taxas de polícia ou de serviço), o regime jurídico, como anteriormente mencionado, é tributário, de direito público, sendo o produto de sua arrecadação considerado receita derivada.
Por receitas derivadas entendem-se aquelas revestidas de compulsoriedade (Súmula 545, do STF[3]), conforme previsto no artigo 9º, da Lei nº 4.320[4], de 17 de março de 1964, in verbis:
Art. 9º Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por essas entidades. [grifos nossos]
Como resultado, o sujeito ativo sempre será a pessoa jurídica de direito público, detendo a Fazenda os meios privilegiados para cobrança das dívidas derivadas do não pagamento pelo usuário.
Além disso, por ser um tributo, as taxas não podem ser fixadas por Resolução ou qualquer ato próprio interno do ente público, sendo imprescindível edição, aprovação e publicação de lei em sentido estrito para estipular tais valores, em obediência ao Princípio da Reserva Legal.
Também não se pode olvidar que sua cobrança deve respeitar os Princípios da Anterioridade e da Noventena, ou seja, os valores majorados só começam a valer a partir do exercício seguinte e se transcorridos pelo menos noventa dias da publicação da nova lei, consoante previsto no art. 150, I e III, a), b) e c), in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(…)
III – cobrar tributos:
- a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
- b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
- c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; [grifos nossos]
Quanto às tarifas/preços públicos, estes também são atribuídos a serviços divisíveis e específicos de natureza econômica (industrial ou comercial) e estão submetidos a regime contratual, de direito privado, ou seja, carecem de manifestação de vontade do usuário, pois inexiste compulsoriedade na sua utilização. Como resultado, o produto de sua arrecadação é receita originária, visto que a prestação pecuniária é facultativa.
Nesse caso, o sujeito ativo será geralmente pessoa jurídica de direito privado, como se verifica nos serviços públicos delegados por concessão, autorização ou permissão, mas também pode ser a pessoa jurídica de direito público, nos casos em que, embora delegáveis, tais serviços são prestados pelo próprio Estado.
O ponto crucial de diferenciação entre taxa e tarifa/preço público, como já mencionado anteriormente e decidido pelo STF, gira em torno da sua compulsoriedade ou facultatividade.
Em sentido contrário ao pronunciamento do STF, o Dr. José Eduardo Soares de Melo [disponível em: < http://professorsabbag.com.br/arquivos/downloads/1276651602.pdf >] ensina que:
“O preço não se confunde com a taxa porque constitui regime “típico de direito privado informado pela autonomia da vontade, de que decorrem a liberdade de contratar e a liberdade contratual, inconviventes com o regime administrativo estritamente informador de toda a atividade pública”, sendo de se concluir que “se se tratar de atividade pública (art. 175) o correspectivo será taxa (art. 145, II); se se tratar de exploração de atividade econômica (art. 173) a remuneração far-se-á por preço” (Geraldo Ataliba, Hipótese … pp 142 e 150).
Pondera-se, também que “o preço deriva de um contrato firmado num clima de liberdade, pelas partes, com o fito de criarem direitos e deveres recíprocos. Sobremais, as cláusulas desta obrigação convencional não podem ser alteradas unilateralmente por qualquer dos contraentes, que devem observar, com fidelidade, o que pactuaram. Destarte, as prestações de cada uma das partes equivalem-se em encargos e vantagens, sendo umas causa e efeito das outras” (…); “como a “contrapartida de uma prestação contratual voluntária”; o que “diferentemente ocorre com a taxa que, nascida da lei, sobre ser compulsória, resulta de uma atuação estatal, desenvolvida debaixo de um regime de direito público diretamente e imediatamente, ao contribuinte” (Roque Carrazza, Curso …, pp.510 e 511).
A nota distintiva da “taxa” com o “preço público” não reside no caráter obrigatório ou facultativo dos serviços, como se contém na Súmula n. 545 do STF (“Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, e relação à lei que as instituiu)”.
É lembrado que “os pronunciamentos da Corte que deram origem à aprovação da referida Súmula apreciaram situações ocorridas sob a égide da Constituição de 1946, cujo artigo 30, III, deixava margem para entendimento desse tipo e até desafiava o intérprete a bem entender qual a natureza do seu comando” (Gilberto de Ulhôa Canto, “Taxa…, p. 88), sendo que “hoje o critério relevante não é mais o de saber se o pagamento é voluntário ou compulsório, mas sim de verificar se a atividade concretamente executada pelo Poder Público configura um serviço público ou não” (Hamilton Dias de Souza e Marco Aurélio Greco, “Distinção entre Taxa e Preço Público”, Caderno de Pesquisas Tributárias, v. 10, Resenha Tributária, 1985, p. 116). O vocábulo preço significa a entrada que advém de um relacionamento privado, embora possa estar do outro lado do vínculo o Estado ou direito disponível pertencente ao Poder Público, não estando adstrito à rigidez dos princípios da legalidade e da anterioridade, aferível, no mais das vezes, de acordo com as regras do mercado, flutuando ao sabor das conveniências, das regras de oferta e procura (Régis Fernandes de Oliveira, Receitas não tributárias: taxas e preços públicos, Malheiros, 2003, 2ª. Ed., pp. 98-100).
Destarte, preço pode ser compreendido como a remuneração contratual livremente pactuada entre as pessoas públicas (despidas de privilégios), e os usuários dos serviços realizados sob regime de direito privado, apesar de haver singela referência constitucional (art. 150, § 3º) no caso de serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, fora do alcance da imunidade recíproca.” [grifos nossos]
Já Hugo de Brito Machado, em Curso de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, 2016, p. 447, entende que:
“Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então, é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos. O contribuinte estará seguro de que o valor dessa remuneração há que ser fixado por critérios definidos em lei. Terá, em síntese, as garantias estabelecidas na Constituição.
Por outro lado, se a ordem jurídica não obriga a utilização do serviço público, posto que não proíbe o atendimento da correspondente necessidade por outro meio, então, a cobrança da remuneração correspondente não ficará sujeita às restrições do sistema tributário. Pode ser fixada livremente pelo Poder Público, pois seu pagamento resulta de simples conveniência do usuário do serviço.” [grifos nossos]
Nesse contexto, cumpre destacar que, muito embora os registros de marca/desenho industrial/programa de computador, assim como a obtenção de privilégio de exploração de patente e outros serviços prestados pelo INPI, sejam facultativos (ou seja, a lei não obriga que as partes interessadas pleiteiem esses registros/privilégios), se os usuários optarem por fazê-lo, outra alternativa não há senão por meio daquela Autarquia, detendo ela, portanto, o monopólio estatal para tal fim.
Isso porque, neste caso, o Poder Público age investido de sua soberania, o que mais uma vez corrobora com o fato de que o INPI presta serviços públicos ínsitos à soberania de Estado.
Assim defende Luiz Emydio [Op. cit., p. 429 – 431]:
“Entendemos que, na realidade, preço e taxa não se confundem pelas seguintes razões: a) o preço decorre de uma atividade desempenhada pelo Estado como se fosse particular, sem estar investido de sua soberania, enquanto a taxa, por ser um tributo, decorre de exercício do poder de polícia ou da prestação de serviço público ou desempenho de atividade em que o Estado age investido de sua soberania; b) a taxa é receita derivada, obrigatória, de direito público, enquanto o preço é receita originária, contratual, de direito privado; c) a taxa decorre do desemprenho de uma atividade que não pode, por sua natureza, ser transferida ao particular, enquanto o preço se origina do desempenho de uma atividade que pose ser cometida ao particular; d) a taxa provém do desemprenho de uma atividade na qual prevalece o interesse público, enquanto o preço emana de uma atividade na qual prepondera o interesse particular; e) a taxa decorre de lei e o preço de um acordo de vontades, pelo que o particular não pode ser constrangido a pagá-lo se não utilizar-se da atividade estatal; f) no preço, por ter natureza contratual, há possibilidade de desfazimento do acordo, o que não ocorre com a taxa, que decorre de lei; g) o poder de polícia pode ensejar a cobrança de taxa mas não de preço; h) a taxa visa cobrir o custo do serviço, enquanto no preço existe o fim de lucro; i) a taxa remunera serviço público ínsito a soberania do estado e serviço público essencial ao interesse público, enquanto o preço remunera o serviço público não essencial; j) o preço não comporta extrafiscalidade, o que pode ocorrer com a taxa.
A importância de se saber se uma dada receita é taxa ou preço público refere-se a maior ou menor liberdade na sua instituição e percepção pelo poder público. Assim, se a receita tem natureza tributária o Estado estará sujeito a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, enquanto se a receita tiver natureza contratual, o poder estatal terá maior liberdade no seu manejo.” [grifos nossos]
Portanto, se o usuário pode atender sua necessidade por outro meio (facultatividade e caráter privado), a contribuição terá natureza de tarifa/preço público. Do contrário, e aí se incluem também os serviços que, embora sua adesão seja facultativa, o Poder Público detém o monopólio/privilégio estatal para sua prestação, seja em razão do interesse público, seja porque tais serviços decorrem do exercício de sua soberania, a remuneração deverá ser instituída por meio de taxa, observando-se, obrigatoriamente, os princípios da reserva legal, da anterioridade e da noventena.
- Considerações acerca das tabelas de retribuições do INPI e as limitações constitucionais: Não confisco; princípio da proporcionalidade; princípio da capacidade contributiva; e necessidade de efetiva contraprestação
Inicialmente cumpre destacar que nunca existiu legislação instituidora ou majoradora das tabelas de retribuições do INPI.
Como se bem sabe, o processo de aprovação das tabelas de remuneração dos serviços do INPI é regulamentado por meio de ato administrativo (portaria) e sua instituição é por meio de Resolução publicada na Revista da Propriedade Industrial (RPI), em razão do disposto no art. 228, da LPI, abaixo colacionado:
Art. 228. Para os serviços previstos nesta Lei será cobrada retribuição, cujo valor e processo de recolhimento serão estabelecidos por ato do titular do órgão da administração pública federal a que estiver vinculado o INPI.
Assim dispõe o inciso VI, do art. 159, da Portaria nº 149, de 15 de maio de 2013, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que aprova o Regimento Interno do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, in verbis:
Art. 159. Ao Presidente do INPI incumbe:
(…)
VI – submeter a Tabela de Retribuições dos serviços prestados pelo INPI, relativos a propriedade industrial, para aprovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; [grifos nossos]
Ora, se aqui estamos falando de uma Autarquia Federal que presta serviços públicos ínsitos à soberania, os dispositivos em tela, assim como as tabelas de retribuições do INPI estão na contramão do que dispõe a Constituição Federal em matéria tributária. Neste sentido, algumas considerações devem ser feitas, além daquelas já destacadas neste artigo.
Primeiramente, a Constituição Federal impede a tributação com efeitos de confisco, consoante disposto no artigo 150, inciso IV, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;
Nesse sentido, verifica-se que o destinatário precípuo da norma constitucional é o legislador infraconstitucional.
Foi com base nesse dispositivo que o Ministro Celso Mello, em 2003, no julgamento da ADI-MC-QO 2551 / MG, traçou os contornos do princípio da proporcionalidade e sua aplicação no direito tributário, em caso que apreciava a abusividade de Taxa de Expediente de seguradoras para o DPVAT:
TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. – O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. – A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. [grifos nossos]
E como já destacado anteriormente, o direito à propriedade é um direito fundamental básico de primeira geração, o que significa dizer que nenhum tributo pode ser instituído com ofensa ao princípio da proporcionalidade, com verdadeiro caráter de confisco.
Não é o que ocorre na prática. Isso porque, em 2013 o INPI cobrava retribuição nos valores de R$ 1.420,00/R$ 2.950,00 para oposição/nulidade com base em alto renome, respectivamente. Ou seja, o pedido de reconhecimento de alto renome era decidido de forma incidental e, posteriormente, a oposição/nulidade.
Ocorre que com o advento da Resolução INPI nº 129/14, o valor da retribuição para pedido reconhecimento de alto renome de marca pelo INPI passou a ser de R$ 37.575,00 para peticionamento por meio eletrônico, e de R$ 41.330,00 para peticionamento em papel.
Vale destacar que o INPI não aplica a redução de até 60% para essas retribuições, outorgada a pessoas naturais; microempresas, microempreendedor individual e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; cooperativas, assim definidas na Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971; instituições de ensino e pesquisa; entidades sem fins lucrativos, bem como órgãos públicos, quando se referirem a atos próprios, para o serviço de reconhecimento de alto renome.
Para Ricardo Lobo Torres (Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, vol. IV – Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 409; 416; 421-422) “as taxas podem ofender a propriedade privada e outros direitos fundamentais, tornando-se inconstitucionais, quando desrespeitarem a relação custo/benefício.”
E complementa:
“As taxas também não podem ferir direitos fundamentais com introduzir discriminações entre contribuintes que se encontrem em situações iguais ou com atribuir o mesmo tratamento a que se encontra em situação desigual.
(…)
Recorde-se que, para os positivismos, a taxa ou tem natureza exclusivamente contraprestacional ou se fundamenta na discricionariedade do legislador, pelo que lhe seria estranha a consideração sobre a riqueza do cidadão.
(…)
De notar que o princípio da capacidade contributiva se torna importante na fixação do valor do tributo e na política de concessão de isenções, de tal modo que permita o acesso ao serviço público a todos os cidadãos, independentemente da situação econômica individual. Mas não é a capacidade contributiva, por si só, fundamento da cobrança da taxa, eis que ninguém é obrigado a pagá-la em razão de sua riqueza.” [grifos nossos]
No que tange à natureza contraprestacional dos serviços públicos, dispõe o Código Tributário Nacional:
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Além disso, a Resolução INPI nº 148, de 30 de julho de 2015, que dispõe sobre normas de procedimentos relativos à devolução de valores recolhidos indevidamente, menciona o seguinte:
Art. 2º Pelo procedimento de restituição o usuário é ressarcido pelo INPI de receita paga a maior ou indevidamente ao Instituto e que não foi aproveitada para o pagamento de outros serviços a serem protocolados.
- 1° Entende-se por devida toda retribuição prevista que, por sua vez faz, de alguma maneira, movimentar o sistema administrativo, originando despesa e gerando a contraprestação do serviço por parte desta Autarquia, e por indevida aquela que não gera consequências para o seu acionamento.
- 2° Considera-se acionada a máquina administrativa quando há dispêndio da força de trabalho de um servidor do INPI para tratar da retribuição recolhida, no exame de determinada questão, não importando que a decisão administrativa seja pela inviabilidade do pleito do usuário externo.
Como resultado, verifica-se que a cobrança das retribuições relativas às anuidades de patentes, para concessão e prorrogação de registros de desenho industrial e marcas podem ser consideradas ilegítimas, independente de terem natureza de taxa ou tarifa/preço público, haja vista não haver qualquer dispêndio de força de trabalho (ou seja, não há qualquer espécie de exame formal ou de mérito nesses casos, apenas conciliação de pagamento).
Antes o INPI justificava esse tipo de cobrança sob o argumento de precisar locar espaço para conservação dos processos físicos. Atualmente esse argumento não mais se sustenta, em razão dos processos já estarem disponíveis em meio eletrônico.
Conclusão
Consideradas as posições e considerações diversas, tanto da doutrina, como da jurisprudência, resta bastante claro que, em razão da natureza dos serviços prestados pelo INPI, as suas retribuições têm características de taxas, independente de qualquer disposição legal em sentido contrário.
Isso porque, muito embora o direito de pleitear exclusividade sobre propriedade industrial seja facultativo, não há outra alternativa para fazê-lo senão por meio do INPI (monopólio/privilégio estatal). Ou seja, o INPI presta serviços públicos investido do seu poder de soberania, razão pela qual tais serviços são indelegáveis a particulares.
Não bastasse, o simples recolhimento de retribuição para tal fim não assegurará ao administrado a garantia de que seu direito será concedido (soberania vs. contraprestação), já que existem requisitos a serem observados, sob pena de indeferimento, diferente do que ocorre em serviços remunerados por tarifas ou preços públicos, em que os usuários devem receber efetivamente aquilo que está sendo contratado (ex. que as estradas concedidas estejam em excelentes condições, que a energia elétrica seja fornecida, assim como a água, etc.).
Sendo assim, o meio pelo qual a tabela remuneratória dos serviços do INPI foi instituída e vem sendo majorada está em total descompasso com as exigências constitucionais, visto que jamais poderia ser tratada por Resolução, Portaria ou qualquer outro ato administrativo interno, mas, sim, por lei em sentido estrito, em obediência ao Princípio da Reserva Legal.
Sob outro diapasão, a Constituição Federal impede a tributação com efeitos de confisco, visto que inviabiliza o exercício de direitos e promove a discriminação entre os usuários. Posto isto, determinadas retribuições do INPI deveriam ser revistas para se adequarem aos princípios constitucionais que regem o direito tributário, já mencionados neste artigo.
No mais, conclui-se que, ainda que se pudesse considerar a natureza jurídica dessas retribuições como sendo tarifas/preços públicos, a cobrança de anuidades, taxas finais, taxa de prorrogação e quinquênios continuaria sendo ilegítima, haja vista não haver qualquer efetiva contraprestação para tais serviços (apenas conciliação de pagamento pelo sistema).
Portanto, eventual desistência formal antes da correspondente publicação (e.g. de concessão/prorrogação de registro) legitima o usuário a ser restituído integralmente do valor pago, sob pena de a recusa configurar enriquecimento sem causa por parte daquela Autarquia.
Referências
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ROSA JR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, 17ª edição.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2015.
MELO, José Eduardo Soares de. Taxas. Disponível em <http://professorsabbag.com.br/arquivos/downloads/1276651602.pdf >. Acesso em: 23 jul. 2016.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, 2016.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, vol. IV – Os tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
COELHO, Sacha Calmon Navarro Coelho. Curso de direito tributário brasileiro, Forense Jurídica – Grupo GEN, 2015, 14ª edição.
PAULSEN, Leandro Paulsen. Curso de direito tributário completo, Livraria do Advogado, 2014, 6ª edição.
BELTRÃO, Irapuã. Curso de direito tributário, Atlas, 2014, 5ª edição.
[1] PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional, São Paulo: Método, 2014, p. 219
[2] Alguns doutrinadores tratam como sinônimos, outros entendem que tarifa é espécie do gênero preço público, como é o caso de José dos Santos Carvalho Filho, op. cit., p. 351
[3] Súmula 545, do STF – Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.
[4] Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.