Por Luciano Andrade Pinheiro e Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga são sócios do Corrêa da Veiga Advogados
Na semana que passou, foi noticiado que a Justiça do Trabalho autorizou a penhora da marca do Clube Náutico Capibaribe para satisfazer o crédito de um ex-atleta da agremiação. A polêmica se instalou imediatamente, com opiniões apaixonadas no sentido de a penhora ser justa ou injusta, juridicamente viável ou inviável para que, ao final, fosse promovida, por ordem judicial, a transferência da marca de um clube para um credor.
A propósito, nós escrevemos um livro chamado Os Símbolos do Desporto: Aspectos jurídicos em que investigamos a fundo a possibilidade de penhora dos símbolos de um clube de futebol. Trata-se de uma pesquisa extensa, que nos dá segurança para responder essa intrincada questão. Nas linhas abaixo faremos breves considerações sobre o problema.
É preciso estabelecer, incialmente, que no Brasil há uma realidade legal complexa no tema. Há dois sistemas que tratam da proteção dos símbolos dos clubes. O primeiro é o art. 87 da Lei Pelé, que diz se de propriedade dos clubes a denominação e os símbolos, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente. O segundo é a proteção dada pela Lei de Propriedade Industrial às marcas em geral, que dependem de registro no INPI e são temporárias.
O primeiro problema reside no fato de que o clube de futebol pode optar por um dos dois regimes, com consequências variadas para cada uma das escolhas. O Clube Náutico Capibaribe optou pelo registro no INPI e, portanto, escolheu o regime de marcas para a proteção dos seus símbolos. São dois registros de marca mista (nominativa figurativa) concedidos em 28/06/2011 e válidos até junho de 2031.
A rigor, o direito brasileiro admite a penhora de uma marca registrada no INPI. Não há muita controvérsia sobre isso, mesmo por se tratar de um bem móvel e, portanto, expropriável pela via judicial.
Ocorre que as marcas de um clube de futebol têm uma particularidade que precisa ser enfrentada pelo juiz que se depara com um pedido de penhora. Elas não servem a ninguém, exceto ao clube, porque o valor da marca de uma agremiação está intrinsecamente ligado aos campeonatos que disputa e à paixão de sua torcida. Expropriar a marca de um clube não transfere ao novo titular a licença para disputar campeonatos oficiais. Isso significa que o novo titular terá a marca, mas não poderá disputar nenhuma partida oficial com a natural e consequente perda da conexão com a torcida.
Ao expropriar a marca de um clube para saldar uma dívida o juiz, diante desse cenário, causará a ruína do devedor, sem satisfazer o credor. Essa não é uma solução viável diante da conhecida regra de que a execução deve se dar da forma menos prejudicial ao devedor. Certamente, a ruína é a forma radicalmente mais onerosa!
Se o Clube Náutico não tivesse optado pelo registro no INPI, mas pela proteção da Lei Pelé, o problema seria ainda maior. Primeiro, porque a Lei diz que a proteção concedida é de titularidade de uma entidade de prática desportiva, mas o credor no caso é um atleta. Segundo, porque, por não depender de registro, o símbolo é um bem intangível na essência e não haveria como formalizar a transferência dos símbolos do clube para o atleta.
Entendemos, afinal, que a despeito de ser juridicamente possível a penhora e expropriação da marca de um clube de futebol, o juiz não deve seguir por este caminho, porque causará a ruína imediata do devedor, sem que o credor tenha um bem economicamente valioso que satisfaça seu crédito.
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