O uso da tecnologia blockchain para proteção e gestão de direitos autorais

XX  CONGRESSO DE DIREITO DE AUTOR E INTERESSE PÚBLICO

 

Capítulo II Direito de Autor e Gestão Coletiva

 

TÍTULO: O USO DA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN PARA PROTEÇÃO E GESTÃO DE DIREITOS AUTORAIS

 

Mariana Piovezani Moreti¹
Paula Baragatti Cabrera²

RESUMO

Em virtude de novos meios de comunicação e de novas tecnologias, cujo elemento central na sociedade da informação é a internet, há o nascimento de uma era de questionamentos jurídicos relativos aos direitos autorais. Isso porque tais transformações criaram um cenário de compartilhamento instantâneo, facilidade de acesso, portabilidade, disseminação rápida, ágil e constante da informação, facilitando, portanto, a disponibilização, acesso, troca, reprodução e publicação de criações artísticas, científicas e literárias sem autorização, licença, cessão ou concessão por parte do autor/titular da obra. É nesse contexto que o trabalho tem por objetivo apresentar as barreiras com as quais o direito autoral vem se chocando em virtude da rápida disseminação no mundo virtual, focando-se em uma forma alternativa e inovadora de solução, denominada de tecnologia blockchain, no sentido de identificar a possibilidade do seu uso para proteger o autor e sua obra. Através do estudo integrado de disciplinas (direito e tecnologia), feito por meio de metodologia dedutiva e consulta bibliográfica, o estudo apontou que a ferramenta pode ser eficaz na prevenção, proteção e gestão de direito autoral, mas que alguns pontos jurídicos ainda dependem de experiência na plataforma, enfrentamento acadêmico e prático.

Palavras-chaves: Blockchain. Direito Autoral. Proteção e gestão autoral.

1 Mestranda em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação e Pósgraduada em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina, Pós-graduada em Processo Civil pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania e Pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. 2 Mestre em Direito da Universidade Federal do Paraná, Membro do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI-UFPR), Advogado.

INTRODUÇÃO

Foi com o avanço tecnológico, assomado a globalização, que a sociedade passou por significativas transformações. As mais diversas áreas foram englobadas pela era digital, e, entre elas, encontra-se o direito autoral. Livros, artigos, teses, músicas e imagens deixaram de ser apenas “físicas” e “palpáveis”, para inserirem-se no mundo virtual. Átomos se transformando em bits. Na sociedade contemporânea, portanto, a tecnologia trilhou mecanismos de acesso e distribuição de bens intelectuais. Em qualquer lugar, a qualquer tempo, criações são produzidas e acessadas, o que contribui para a disseminação da cultura, conhecimento e informação, mas também proporciona acesso não autorizado ou indevido às criações. A internet está presente no dia a dia de todos, a troca de informações, acesso a conteúdos, reprodução, distribuição, publicação, formação de conteúdo, são ações rápidas e que muitas vezes se distanciam da realidade com que as formas tradicionais de proteção e gestão de direitos foram construídas. Essa dinâmica, atrelada a outros recursos tecnológicos que vêm surgindo, altera o ambiente tradicional em que os negócios jurídicos aconteciam, gerando insegurança e/ou prejuízo às partes. No caso do Direito do Autor, área em que circunda o presente artigo, a mudança do comportamento da sociedade, a nova linguagem atrelada aos novos costumes, refletiu em uma disseminação de violação de direito autoral. Nesse cenário, não é incomum, porém, ver avisos ou pop-up’s alertando sobre o plágio ser um ato criminoso, ou até mesmo protegendo o direito de cópia de uma imagem ou texto, contudo, pelo fato de a internet ter sido tachada de “terra de ninguém”, onde muitos se escondem atrás de fakes³, é extremamente complicado para um autor comprovar a paternidade da obra e, ademais, encontrar o real culpado pela disseminação ilegal da mesma. Por outro lado, em alguns casos, as obras inseridas no ambiente digital não permitem a identificação de toda a cadeia criativa para que então as autorizações possam ser providenciadas, facilitando, assim, o plágio ou a contrafação.

3 Usuários falsos.

Eis que surge o problema: como proteger o autor e sua obra das violações no ambiente digital? Os usuários são anônimos, o conteúdo se espalha em escala mundial de maneira praticamente instantânea, então, como rastrear e controlar tamanha disseminação? O objetivo do presente trabalho, portanto, é apontar que em razão da dinamicidade e do avanço tecnológico, as respostas não são encontradas em novos produtos legislativos ou na inserção dos conceitos já conhecidos no novo ambiente, mas de uma reinterpretação dos novos modelos de negócio e na utilização das tecnologias em prol das mudanças, em especial a tecnologia Blockchain. O estudo se deu através da análise e avaliação do direito autoral e da tecnologia blockchain, realizado por meio de estudos analíticos e de metodologia dedutiva, referências bibliográficas doutrinárias, artigos científicos, legislação e matérias jornalísticas que trouxeram experiências práticas no âmbito da tecnologia analisada.

2. Cenário problemático do Direito Autoral na internet

A propriedade intelectual, gênero do qual Direito Autoral é espécie, é um instituto que, além de proteger bens incorpóreos e reconhecer seu conteúdo econômico, permite que o criador possa tutelar suas realizações, o que certamente influencia a capacidade de inovação e desenvolvimento da sociedade. Portanto, o título de exclusividade concedido pelo Estado sobre determinada criação intelectual e os direitos dele decorrentes, tem o condão de fomentar e incentivar a produção de novas obras, difundindo a cultura e o conhecimento. Esse ambiente é mantido desde que haja segurança jurídica, agilidade nos negócios e confiança entre as partes. Contudo, o desenvolvimento de tecnologias, em especial a internet, seja como espaço de interação, negócios, entretenimento ou informação, tem quebrado paradigmas de processos de interação e inter-relação entre os indivíduos, avançando rapidamente em termos de comunicação em tempo integral e disseminação da informação.

Trata-se de uma época de convergência das tecnologias que, associadas a internet proporcionam uma revolução conhecida como “A Quarta Revolução Industrial”, em que a sociedade caminharia entre a inteligência artificial e a aprendizagem de máquina como motores da produção de informação e conhecimento. Um tempo em que o mundo está mutante e adaptativo em uma velocidade infreável, trata-se de momento em que os bens intelectuais estão à disposição para quem desejar utilizálos. (SCHWAB, Klaus. apud RIBEIRO, FREITAS, NEVES, 2017).

Esse cenário culmina consequências jurídicas nem sempre amparadas pelo Direito e que tornam a propriedade sobre bens intelectuais, em especial as criações na área autoral, extremamente vulneráveis, uma vez que há modificação nos meios de gerenciamento, na forma de negociação e nos recursos de compartilhamento nascidos com a era digital, que causam uma ruptura com o tradicional direito do autor e nas formas de gerenciamento de tais diretos. Essas transformações criaram um ambiente de compartilhamento instantâneo, facilidade de acesso, portabilidade, disseminação rápida, ágil e constante da informação, facilitando, portanto, a disponibilização, acesso, troca, reprodução e publicação de criações artísticas, científicas e literárias sem autorização, licença, cessão ou concessão por parte do autor/titular da obra.

Sob a perspectiva social é um avanço extremamente importante vez que permitiu o acesso a informação de forma menos rígida e mais livre. Ao mesmo tempo, propiciou uma cultura intensa de violação de direitos de autor. As obras autorais nunca estiveram tão presentes e, ao mesmo tempo, nunca foram tão violadas. Com a rapidez e facilidade com que o conteúdo é disseminado, é difícil freá-lo ou exercer qualquer controle sobre sua reprodução, ao passo que em determinados momentos a própria identificação do autor e/ou do titular da obra é praticamente impossível de verificação.

Por óbvio, não se pode sustentar a restrição das novas tecnologias da informação sob o argumento da violação dos direitos autorais, vez que a conquista em prol da sociedade, ou seja, o acesso ao conhecimento de forma mais ampla e fácil, deve ser mantida e prestigiada. Marcos Wachowicz (2017), ao analisar o direito autoral na sociedade informacional, ressalta que a “emancipação humana advinda da liberdade de acesso de bens culturais, que a humanidade conquistou nas últimas décadas, por meio da internet, não pode ser restringida ou suprimida em prol da manutenção de modelos de negócios obsoletos diante das novas tecnologias da informação” de forma que, um dos pontos que devem ser repensados é a “tutela jurídica dada pelo direito autoral brasileiro diante dos bens culturais dessa nova sociedade informacional”.

Da mesma forma, não se pode desemparar o autor e suas criações da proteção que lhe é inerente. Plágio e contrafação continuam sendo ilegais e ferem direito autoral, mesmo na internet.

No artigo 7ª da Lei 9.610/984 estão elencadas de forma exemplificativa as obras protegidas pela legislação, desde que sejam criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, dentre elas os textos, sons, imagens, base de dados e software. A desmaterialização do suporte físico, a mudança do fluxo de distribuição5, a facilidade de reprodução e modificação, além dos novos valores na circulação das obras intelectuais, não significam a inexistência de proteção, mantendo-se o suporte legal do artigo mencionado.

Assim, para a inserção e uso de obras protegidas por direitos autorais na Internet (reprodução e transmissão), com exceção das limitações previstas nos artigos 46 a 48 da Lei 9.610/986, é preciso prévia e expressa autorização dos titulares de direitos autorais, caso contrário, estar-se-á violando direitos. Da mesma forma que, mesmo quando autorizada a inserção e uso é necessário a verificação das suas permissões. Isto porque, na hipótese de autorização, há de se considerar as formas de utilização permitidas: a) visualização em tela; b) reprodução total ou parcial para uso no próprio espaço (cibernético); c) reprodução através de download no computador do usuário; d) reprodução impressa do material, com ou sem intuito de lucro.

Além disso, deve-se sempre indicar o autor da obra, sob pena de violação de direito moral do autor e caracterização de plágio.

No entanto, conforme já deveras ressaltado, no ambiente virtual, a colocação de obras, sua reprodução e utilização, são ações realizadas diariamente sem as devidas autorizações, em grande parte plagiadoras.

4 Lei brasileira de Direito Autoral. 5 Antes: autor – indústria/mercado – usuário. Hoje: autor, usuário ou usuário – usuário. 6 (a) reprodução de notícia na imprensa diária ou periódica; (b) reprodução para uso de deficientes visuais, sem intuito de lucro; (c) reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; (d) citação de passagens para fins de estudo, crítica ou polêmica; (e) apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação; (f) utilização para demonstração da obra à clientela; (g) representação teatral e execução musical no recesso familiar ou para fins didáticos, em estabelecimentos de ensino; (h) utilização para produzir prova judiciária ou administrativa; (i) reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes em obra maior; (j) paráfrase e paródia, quando não houver descrédito; e (k) representação de obras situadas permanentemente em logradouros públicos.

3. Violação de Direito Autoral

A tecnologia digital despertou uma crise no direito de autor sob vários aspectos, a inadequação à técnica, conflitos entre interesse individual (criador) e coletivo (acesso à informação e ao conhecimento), além da incapacidade de gestão eficiente dos direitos. Ademais, criou-se o ambiente ideal para violação de direitos autorais. A reprodução de textos, vídeos e imagens sem autorização ou, ainda, sem identificação do autor da obra, se tornaram atividades frequentes cujo controle é basicamente impossível em razão do ritmo do sistema tecnológico.

Nesse sentido, Marcos Wachowicz e José Augusto Fontoura Costa (2016, p. 117) ao explorarem o tema do plágio, ressaltam a importância de proteção da autoria no ambiente de livre fluxo da informação e liberdade:

“A Sociedade Informacional é portadora de um novo paradigma tecnológico organizado a partir da informação, que, gerada no meio tecnológico digital, é suscetível de acesso e uso compartilhado. Qualquer pessoa que tenha tido um acesso licito a uma informação, pode utilizá-la e compartilhá-la, sem que seja necessário solicitar previamente qualquer autorização. O livre do fluxo da informação na internet pressupõe a existência de uma liberdade da emissão, conexão e reconfiguração das informações. A massificação do uso das TICs e as múltiplas possibilidades de acesso e uso compartilhado são imprescindíveis atualmente para o avanço das pesquisas e difusão do conhecimento acadêmico. Contudo, a usurpação de autoria característica do ato plagiário sempre segue sendo repudiado, mormente seja fácil no meio digital a reprodução total ou parcial de uma obra, ganha maior importância a proteção da autoria e do esforço intelectual.”

Nesse contexto, tanto a atividade plagiadora [7], consistente no ato de usurpar a autoria, de apresentar obra de terceiro como se sua fosse, quanto a reprodução total ou parcial sem autorização, denominada de contrafação [8], são repudiadas pelo ordenamento jurídico e podem causar efeitos nos campos civil, penal e administrativo.

A diferença entre os atos, portanto, estaria no fato de que o plágio consiste em uma apropriação da obra intelectual em que o plagiador se diz ser o criador da obra, explorando-a, ao passo que na contrafação não se extrai a autoria, mas há exploração econômica sem autorização do titular dos direitos. Em ambos há violação de direito autoral, a internet não mudou o direito sob o ponto de vista jurídico, de forma que os direitos patrimoniais e morais continuam sendo prerrogativas do autor.

A violação do direito autoral na era digital é uma questão essencialmente de valoração e hábitos sociais. A população precisa ser educada para respeitar os direitos essenciais dentro de um processo de mudanças, pois são as atitudes por elas construídas que podem gerar um equilíbrio no comportamento e no direito, a partir de uma realidade social nova. Todavia, é utópico pensar em uma mudança cultural como pressuposto para garantia de direitos, da mesma forma que não se pode depender de mudanças legislativas. A mudança está na busca de mecanismos de proteção e gestão com poder de adaptação, velocidade e transparência, qualidades que ferramentas tradicionais de proteção se mostram insuficientes. Cabe ao pesquisador e operador do Direto buscar alternativas válidas dentro das novas tecnologias e verificar a possibilidade de usar os instrumentos na proteção e gestão dos direitos autorais.

7 Para Rosangela Curi Pedrosa (2017, p. 5/6): “É essencialmente uma questão de ética que consiste no ato de somar para si, de qualquer forma ou meio uma obra intelectual de outra pessoa, apresentando-a como de sua autoria. A atitude plagiaria reside na apropriação indevida de um texto, de uma música, de uma pintura, ou de qualquer outra obra intelectual, na qual o usurpador assume a autoria omitindo deliberadamente os créditos para o autor original de determinada obra”. 8 Para Eliane Abrão (2014, p. 153), a reprodução da obra não autorizada tipifica o crime denominado de contrafação, vulgarmente conhecido como pirataria, um termo que surgiu dos navegadores aventureiros que saqueavam embarcações no mar.

4. Introdução da tecnologia blockchain

A tecnologia conhecida como blockchain funciona como uma rede de blocos de conteúdo, encadeados e de alta segurança, que carrega uma impressão digital. Trata-se de ferramenta que se tornou conhecida por seu uso no sistema financeiro eletrônico peer to peer denominado de bitcoin. Contudo, apesar de tal tecnologia ter sido reconhecida em conjunto ao bitcoin, não está exclusivamente atrelada a ele, ao contrário, pode ser um instrumento de certificação e controle de diversos tipos de transações, sem depender de uma instituição centralizada, intermediadora.

”Ou seja, o blockchain é e pode ser útil para a gestão de transações de qualquer moeda, como acontece com o bitcoin, e como pode acontecer com ativos da BM&FBovespa, ou moedas do mercado Forex, ou uma criptomoeda que você deseje criar, etc, mas essas serão sempre apenas algumas aplicações para ele, pois seu conceito se encaixa mais em uma plataforma, e portanto, em tese, você pode armazenar com o blockchain toda e qualquer transação, compilada em metadados, com blocos que são adicionados em cadeia numa ordem linear e cronológica, armazenados em uma rede distribuída e teoricamente para sempre. (FIGURELLI, 2017)”

O ponto de partida para registro de um arquivo no sistema é a geração de um hash, como se fosse uma “fotografia” do arquivo através de um cálculo matemático, que associa os dados do arquivo inserido a um código, composto por letras e números, que representará, portanto, o arquivo inserido pelo usuário. O hash é capaz de obter uma quantia significativa de dados e transformá-los em pequenas informações, dando a impressão digital do referido dado inserido. Então, o hash, impressão digital do conteúdo, é submetido à validação para compor a rede blochchain.

Enquanto as transações aguardam serem integradas ao “bloco” elas permanecem em uma área temporária denominada de “pool”. Os computadores da rede competem entre si para acharem blocos válidos, o que se chama de “mineração”. Encontrado um bloco válido, chamam-se os demais para serem validados e o registro é encadeado no bloco. Para que o sistema funcione, todos os computadores devem reconhecer (concordar matematicamente) que uma transação é válida.

Qualquer alteração ou inclusão de informações em um registro, necessariamente gerará um novo hash, que conterá o hash do bloco anterior assomado as informações novas inseridas, criando uma espécie de selo. Com esse selo, torna-se possível verificar se algum bloco da tecnologia foi alterado. Por fim, todas estas informações, ficam registradas no ledger, uma espécie de “livro-razão”, conforme menciona Lucas Lago (2017, p. 1):

… a blockchain foi desenvolvido como um livro-razão para o Bitcoin, registrando as últimas transações realizadas num processo que pode ser resumido nos seguintes passos:
1. Todas as transações realizadas nos últimos minutos são agrupadas em um único bloco;
2. Esse único bloco é distribuído por toda a rede da blockchain;
3. Usuários da rede com computadores utilizam algoritmos para validar um bloco, e recebem recompensas a cada sucesso. Esses usuários são chamados de mineradores;
4. O bloco validado recebe uma marcação temporal e é adicionado no final da lista.

Assim, a blockchain é um banco de dados autônomo, ou seja, independe de uma central ou intermediação, que mantém registros de informações e transações, público e seguro (irreversíveis e imutáveis), rápido e automático (impede informações duplicadas ou conflitantes).

“A cadeia possui como características uma organização cronológica, imutável, compartilhada, descentralizada, transparente e inviolável. Cronológica, pois cada bloco possui um identificador exclusivo e contém um link de referência (hash) para o bloco anterior. Imutável em razão da impossibilidade de modificação após a validação do bloco e sua respectiva adição à cadeia. Como cada nó de rede (ou cada participante do sistema) possui uma cópia idêntica da cadeia, a tecnologia é considerada compartilhada (denominada distributed ledger).

Nesse mesmo sentido, tem como atributo ser descentralizada: nenhum nó de rede pode atuar sozinho como uma “parte confiável”, que contém uma cópia mestra da cadeia de blocos. Considerando que registros das cadeias são aferíveis por todos os usuários da rede, a cadeia é ainda considerada transparente. Por fim, a inviolabilidade decorre da extrema dificuldade de inserção de uma transação fraudulenta ou mesmo apenas um erro de transação na cadeia de blocos. (VERÍSSIMO; PASSOS, 2018, p. 232) “

Em razão de suas características, para além das criptomoedas, a tecnologia vem sendo estudada como alternativa para enfrentar questões como a falta de transparência, a morosidade do processo burocrático registral, dentre outras.

Lucas Lago (2017, p. 1) ao tratar da confiança nos algoritmos, afirma que a natureza aberta e descentralizada da tecnologia blockchain garante confiança e transparência no processo. Ainda, afirma que “diversos problemas tanto na esfera pública quanto privada podem ser solucionados com implementações baseadas em blockchain, pois esta tecnologia pode mudar desde o modo como realizamos contratos até a forma como nossas informações de saúde são armazenadas”. (2017, p. 2)

Considerando os desafios enfrentados pelo direito autoral na era digital a tecnologia blockchain é uma opção para evitar as violações de direito do autor e para gerenciamento dos direitos patrimoniais.

5. Blockchain como ferramenta de proteção e gestão dos direitos autorais

A tecnologia blockchain pode reinventar a proteção e gerenciamento de direitos autorais na medida em que consegue documentar atributos de uma obra, garantir a paternidade da criação, comprovar autenticidade, rastrear conteúdo e, automaticamente, permitir ou não o uso da obra. Além disso, pode trazer maior transparência nos recebimentos de royalties e eliminar as inúmeras intermediações que hoje existem, como no mercado da música, por exemplo.

“The bockchain effect has inspired creatives in the industry that a better future lies aherad. If guided and nurtured in the right ways, blockchain holds the potencial to give us a golden age of music not just for its listeners, but for those who make it, too. (HEAP, 2017)”

Empresas privadas também já passaram a empregar a tecnologia para proteger atividade intelectual. Recentemente, um registro de patente requerido nos Estado Unidos pela empresa Intel atribuiu o uso do sistema a um método em que:

“A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN É USADA PARA DOCUMENTAR E VERIFICAR ATRIBUTOS DE CONTEÚDO DIGITAL RELEVANTES PARA A PROTEÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. ESSES ATRIBUTOS PODEM INCLUIR, POR EXEMPLO, UM IDENTIFICADOR PARA O AUTOR DO CONTEÚDO, UM CARIMBO DE DATA E HORA PARA INDICAR QUANDO O CONTEÚDO FOI CRIADO E UMA MEDIDA QUE POSTERIORMENTE PODE SER USADA PARA DETECTAR A CÓPIA OU MODIFICAÇÃO DO CONTEÚDO. (trecho do registro citado por BATIANI, 2018)”

No Github, uma plataforma de hospedagem de conteúdo, por exemplo, foram inseridos mais de 80 mil projetos que utilizam os conceitos do blockchain. Ademais, segundo a consultoria Deloitte, 26 mil desses projetos já foram adicionados ao repositório de códigos, tudo isso somente no ano de 2016. (YUDE, 2017)

Outro exemplo, brasileiro, é da empresa Original My[9], que oferece outros serviços além das clássicas transações com cibermoedas, como prova de autenticidade de páginas virtuais, que também utiliza o blockchain para tal comprovação. Assim, a tecnologia pode ser comparada a um rastreio e, no caso de páginas, é possível provar por meio dela que um conteúdo que esteve em um site A foi copiado para um site B, o que facilitaria o gerenciamento no sentido de evitar violações autorais no ambiente digital.

9 < https://originalmy.com/>

Como já mencionado, a blockchain é uma tecnologia independente, que aceita o recebimento dos mais variados tipos de dados, e funciona como um rastreador, que “segue” o conteúdo desde sua postagem até todos os seus destinatários finais, registrando todo o percurso.

Muitos autores, quando publicam online seus trabalhos, estão permeados de insegurança. A maioria sabe que corre o risco de ter o trabalho reproduzido e alterado por inúmeros “anônimos”, sem que haja qualquer controle ou sequer autorização do autor, e isto, muitas vezes, é desestimulante.

Com a implementação da tecnologia blockchain em sites, como por exemplo, em plataformas de autopublicação, o autor se torna capaz não só de rastrear seu trabalho, como decidir quem pode e quem não pode ter acesso a ele, visto que toda e qualquer alteração do bloco de dados fica registrada e só pode ser feita por indivíduos específicos.

Como exemplo prático de proteção da propriedade intelectual, a empresa sueca de software, MindArk, pretende usar a tecnologia blockchain para conectar os proprietários de ativos de PI com empresas e pessoas que possuem interesse em licencias e utilizar tais ativos, ou seja, o intento é criar um repositório de ativos que permitirá aos proprietários que licenciem seus ativos. Como outro exemplo, a empresa Binded utiliza o blockchain para registrar os direitos autorais de escritores e artistas nos Estados Unidos. (COUTO, s.d.)

Ainda, a empresa Kodak, em parceria com a WENN Digital, pretende usar a tecnologia blockchain para criar um livro digital criptografado que proteja os direitos de propriedade intelectual dos fotógrafos, que tiverem seus direitos de autoria violados no ambiente virtual tão afetando, inclusive, suas rendas. A pretensão da Kodak e sua parceira WENN Digital, por meio do blockchain, é criar ligações mais intrínsecas entre as imagens e seus respectivos criadores. (MORENO, 2018)

Vê-se que a tecnologia tem sido amplamente utilizada, mas seus riscos e desafios ainda são inúmeros, em especial por conta da falta de histórico prático de longo prazo, e a própria compreensão da técnica, que invariavelmente influencia na sua aplicabilidade. Ao analisar as implicações da blockchain, Marco Iansiti e Karim R. Lakhani (2017) apontam a necessidade de compreensão do sistema e o impacto em toda a infraestrutura atual:

“True blockchain-led transformation of business and government, we believe, is still many years away. That’s because blockchain is not a “disruptive” technology, which can attack a traditional business model with a lower-cost solution and overtake incumbent firms quickly. Blockchain is a foundational technology: It has the potential to create new foundations for our economic and social systems. But while the impact will be enormous, it will take decades for blockchain to seep into our economic and social infrastructure. The process of adoption will be gradual and steady, not sudden, as waves of technological and institutional change gain momentum. “

Com relação ao Direito e a validade das transações registradas em blockchain, os questionamentos permanecem sendo muitos. Embora a tecnologia tenha sido avaliada como positiva para proteger direito autoral, os aspectos jurídicos, em especial da validade do negócio, são pouco abordados pela academia e infimamente pelo poder judiciário, o que pode tornar alguns pontos obscuros, não se pretende aqui esgotá-los, apenas apontar algumas possibilidades.

O uso da blockchain para proteção de direito autoral, se daria de várias formas, dentre elas: a) para registrar direito autoral; b) para proteger direito autoral de violações; c) para gerenciar direito autoral, substituindo a atual forma de gestão coletiva, nos casos aplicáveis; d) para formalizar licenças e/ou cessões de forma automática e objetiva; e) para dar mais transparência e evitar a intervenção de terceiros.

Para o propósito do presente artigo, a aplicação da tecnologia blockchain poderia evitar a violação de direito autoral (contrafação e plágio) no âmbito digital?

Considerando que a tecnologia grava a autoria, data, hora e texto, de forma imutável; que permite ao autor/titular registrar as permissões de uso da obra[10], além de funcionar como rastreador, que “segue” o conteúdo desde sua postagem até os destinatários finais, registrando todo o percurso, é possível que seu uso pelos criadores e se implementados em plataformas de autopublicação, se torne um mecanismo para evitar as violações de direitos autoral, tanto o plágio quanto a contrafação, não só porque o autor se torna capaz de rastrear o seu trabalho e gravar as formas de acesso à ele, mas sobre outra perspectiva, a do “plagiador” ou “violador” de boa-fé, que no contexto da internet e da cultura digital não tinha acesso a toda a cadeia criativa e dos titulares da obra que se pretende utilizar.

E sob o aspecto da validade desses negócios ou ato jurídicos para o nosso ordenamento, não haveria contrariedade à legislação Autoral, tampouco ao Código Civil. A conclusão leva em consideração que a proteção de uma obra independe de registro, vez que nasce protegida mesmo que não haja solicitação em um órgão específico[11], ou seja, o Estado outorga a proteção assim que a obra é exteriorizada, de forma que os dados inseridos em blockchain serviriam para comprovar a paternidade da criação. O ato jurídico, nesta hipótese, demandaria outros questionamentos, como, por exemplo, se o registro em blockchain teria caráter absoluto ou relativo diante de uma discussão de paternidade da obra?

Já com relação aos negócios automatizados em contatos inteligentes, uma forma extremamente nova, incompreensível e pouco discutida no Direito, a transmissão de direitos deve obedecer o disposto no art. 49 e seguintes da Lei 9.610/98. No entanto, é necessário considerar que se trata de uma outra ferramenta para formalização de contratos, de manifestação de vontade declarada pelas partes, ou seja, é apenas um outro instrumento, escrito matematicamente, que será lido de forma objetiva e automatizada, mas que não viola a legislação.

Por fim, excluindo os problemas “políticos” da adoção da ferramenta, algumas questões da compreensão da técnica e questões jurídicas conceituais, seu uso parece uma alternativa efetiva no sentido de dar mais transparência, agilidade e firmeza nas transações, o que, inclusive, retoma a valorização do autor na sociedade.

10 Através dos Smart Contracts – contratos firmados através da tecnologia blockchain, autoexecutáveis, que permitem a implementação automática de cláusulas quando verificadas determinadas condições ou termos, de forma objetiva e matemática.
11 Art. 18 da Lei 9.610/1998.

CONCLUSÃO

As mutações advindas do ambiente digital e o impacto no direito autoral é um fenômeno bastante enfrentado no âmbito jurídico nacional e internacional. A questão da disseminação instantânea de conteúdo autoral e a prática constante de plágio e/ou contrafação é um problema bastante peculiar e que até hoje não encontrou ferramentas adequadas que pudessem frear a prática e gerir adequadamente as criações colocadas no espaço virtual.

Dentro deste cenário, o trabalho se propôs a enfrentar o problema da proteção do autor e sua obra no ambiente digital na intenção de verificar a hipótese de que a tecnologia blockchain serviria como possível alternativa nesse sentido.

Para cumprir o escopo proposto, apresentou-se o cenário problemático do direito autoral no ambiente digital, demonstrando que a colocação de obras, sua reprodução e utilização no espaço virtual, são ações realizadas diariamente sem as devidas autorizações e em grande parte plagiadoras, ações repudiadas pelo ordenamento jurídico pátrio independentemente de onde forem praticadas, seja no ambiente tradicional ou no digital.

Verificou-se que a diferença entre os atos, portanto, estaria no fato de que o plágio consiste em uma apropriação da obra intelectual em que o plagiador se diz ser o criador da obra, explorando-a, ao passo que na contrafação não se extrai a autoria, mas há exploração econômica sem autorização do titular dos direitos. Em ambos há violação de direito autoral, a internet não mudou o direito sob o ponto de vista jurídico, de forma que os direitos patrimoniais e morais continuam sendo prerrogativas do autor. Nesse desafio, a tecnologia blockchain foi analisada como uma opção para evitar as violações de direito do autor e para gerenciamento dos direitos patrimoniais. O sistema, que pode ser traduzido como uma cadeias de dados, é formada por blocos de transações encadeados uns aos outros, o que, em tese, não pode ser alterado, dando segurança, transparência e confiança nos registros lá realizados.

Apontou-se que a tecnologia tem sido amplamente utilizada, mas seus riscos e desafios ainda são inúmeros, em especial por conta da falta de histórico prático de longo prazo, e a própria compreensão da técnica, que invariavelmente influencia na sua aplicabilidade.

De toda forma, a conclusão é que a tecnologia blockchain pode reinventar a proteção e gerenciamento de direitos autorais na medida em que consegue documentar atributos de uma obra, garantir a paternidade da criação, comprovar autenticidade, rastrear conteúdo e, automaticamente, permitir ou não o uso da obra. Além disso, pode trazer maior transparência nos recebimentos de royalties e eliminar as inúmeras intermediações que hoje existem, como no mercado da música, por exemplo, o sistema demonstrou ser bastante positivo para proteger direito autoral e todo o ecossistema que o rodeia.

 


REFERÊNCIAS

ABRÃO, Eliane Y. Direitos do Autor e Direitos Conexos. São Paulo: Migalhas, 2014.

BASTIANI, Amanda. Intel aposta na blockchain para gerenciamento de direitos autorais. 2018. Disponível em: <https://www.criptomoedasfacil.com/intel-aposta-na-blockchainpara-gerenciamento-de-direitos-autorais/>. Acesso em: 25 de agosto de 2018.

BRASIL, Lei n° 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

COUTO, Júlia. O blockchain é o futuro da propriedade intelectual?. Disponível em: <https://pris.com.br/blog/oblockchain-e-o-futuro-da-propriedade-intelectual/>. Acesso em: 25 de agosto de 2018.

FIGURELLI, Rogério. BLOCKCHAIN: Uma análise estratégica para humanos e robôs. Trajecta. Edição do Kindle, 2017.

GATES, Mark. Blockchain: Ultimate guide to understanding blockchain, bitcoin, cryptocurrencies, smart contracts and the future of Money. Wise Fox Publishing, 2017.

GEDAI UFPR. Blockchain e Direitos Autorais. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=itbXc7q3J3o>. Acesso em: 25 ago. 2018.

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Fonte Gedai.com.br | Clipping LDSOFT


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