O tratado de Marraqueche, o acesso à obras pelos deficientes visuais e as exceções aos direitos autorais

O tratado de Marraqueche, o acesso à obras pelos deficientes visuais e as exceções aos direitos autorais

Por Aline Brito Souto Maior – Advogada do Vilela Coelho

O Tratado de Marraqueche é um tratado internacional que foi ratificado pelo Brasil em 27/06/2013, na cidade de Marraquexe, em Marrocos e promulgado por meio do Decreto nº 9.522/2018. Esse importante tratado, tem como objetivo, propiciar o acesso às obras literárias e artísticas, em forma de texto, publicadas nos países signatários às pessoas cegas, com deficiência visual ou com demais deficiências que as impossibilitem/dificultem de realizar a leitura do texto impresso.

Considerando seu viés de proteção aos direitos humanos fundamentais, o Tratado de Marraqueche foi aprovado pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, uma vez que foi incorporado ao direito pátrio com status de norma constitucional.

Os países signatários do Tratado de Marraqueche devem manter um acervo de suas obras acessíveis, que será disponibilizado às pessoas com deficiência visual ou outra condição que impossibilite a leitura de textos impressos, estas poderão consultar obras nacionais e internacionais em formato especial.

Os livros em formato acessível são os arquivos digitais reconhecidos e acessados por softwares, leitores de telas ou outras tecnologias equivalentes, que permitem a leitura de voz sintetizada, ampliação de caracteres, contrastes ou ainda a impressão em Braile.

Convém esclarecer que na definição de obras acessíveis pelo Tratado de Marraqueche, incluem-se os audiobooks e outras obras literárias e artísticas em formato de áudio.

O Tratado prevê também um grande intercâmbio cultural entre os países membros, que poderão compartilhar informações sobre seus acervos de obras acessíveis, através de entidades autorizadas.

Trata-se, portanto, de uma grande vitória para as pessoas com deficiências, uma vez que estas poderão ter contato com obras acessíveis publicadas no Brasil e em todos os países signatários.

O citado decreto, portanto, reconhece o direito à leitura, que engloba, a aquisição do indivíduo de cultura e educação, como um direito humano.

Em análise ao Decreto nº 9.522/2018, denota-se que o Tratado de Marraqueche é norteado pelos seguintes princípios:

Princípio da não discriminação:

Tal princípio é citado no Tratado supra, porque, visa excluir a discriminação praticada contra as pessoas com deficiências visuais, que não possuem equidade no ambiente educativo, para tornar possível o seu acesso à cultura, mediante a disponibilização ampla de obras literárias/artísticas em forma acessível.

Princípio da igualdade de oportunidades:

O princípio da igualdade de oportunidades, rege o Tratado de Marraqueche de modo a proporcionar às pessoas cegas, deficientes visuais e congêneres, um amplo e farto acesso às obras literárias/artísticas, assim, visa tornar igualitária à oportunidade de acesso ao conhecimento.

Princípio da Acessibilidade:

O princípio da acessibilidade é observado no Decreto nº 9.522/2018, pois, o citado Tratado auxilia na construção de um cenário favorável para que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito de acesso à cultura e a educação de forma legítima e digna.

Princípios da Participação, inclusão plena e efetiva na sociedade:

Tais princípios dirigem o Tratado de Marraqueche, que tem como fito primordial, tornar efetiva e plena a participação social de pessoas cegas, com deficiência visual ou outras condições de saúde que as impeçam de realizar a leitura e textos impressos.

De outro lado, os Estados signatários do Tratado de Marraqueche devem prever normas vinculadas à direitos autorais que facilitem a disponibilidade de obras acessíveis ao portador de deficiência, mesmo que tais regras eventualmente disponham limitações ou exceções aos direitos autorais.

Ainda com o objetivo de facilitar o acesso dos beneficiários à tais obras, o tratado dispõe em seu art. 4º, que os Estados membros podem determinar que as entidades autorizadas, mesmo sem autorização do titular dos direitos autorais, possam: a) produzir obras acessíveis com base em obras já existentes; b) obter de outra entidade autorizada uma obra em formato acessível e c) fornecer obras acessíveis para pessoas com deficiência, por qualquer meio, inclusive por empréstimo não-comercial ou mediante comunicação eletrônica.

Todavia para obter tais prerrogativas as entidades autorizadas devem respeitar os seguintes critérios: a) A entidade autorizada necessariamente deverá realizar o primeiro acesso legal à obra ou exemplar da obra, ou seja, contribuindo com os direitos autorais do autor; b) Posterior ao acesso legal, a obra poderá ser transformada em formato acessível, contudo, não podem haver mudanças que descaracterizem a obra originária; c) os exemplares da obra no formato acessível devem ser utilizados exclusivamente pelos beneficiários; e, por fim d) que a atividade de produção da obra em forma acessível seja realizada sem fins lucrativos.

Cabe mencionar que, o beneficiário da obra ou seu representante legal, poderá produzir um exemplar acessível de uma obra existente, desde que o referido beneficiário tenha obtido a obra pelos meios legais.

O Tratado de Marraqueche regula ainda em seu artigo 6º, que os beneficiários e/ou as entidades autorizadas, podem importar exemplares de obras em formato acessível, sem a necessidade de autorização do titular dos direitos autorais.

Denota-se que também existe a previsão de que os Estados serão responsáveis por proporcionar medidas tecnológicas que não obstem os beneficiários a realizarem a conversão da obra em forma acessível.

Adicionalmente, o referido tratado, em seu art. 8º, impõe a obrigação aos Estados signatários de respeito à privacidade dos beneficiários de forma igualitária com os demais membros da sociedade em geral.

Os Estados que ratificaram o Tratado de Marraqueche devem cooperar para facilitar o intercâmbio transfronteiriço de obras em formatos acessíveis, nesse sentido, o Escritório Internacional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) será responsável por compartilhar as informações que facilitem o intercâmbio cultural entre os países membros, bem como o diretor-geral da OMPI será o depositário do referido tratado.

Para implementação do Tratado de Marraqueche o Brasil terá que editar um Decreto regulamentador, que inclua as normas práticas para a aplicação do referido tratado.

Foi aberta em 23/04/2020, a consulta pública, para que sejam realizadas contribuições sobre o Decreto nº 9.522/2018, com o fito de auxiliar na edição do Decreto regulamentador, o link para enviar contribuições sobre o Tratado de Marraqueche é: http://pnc.cultura.gov.br/tag/tratado-de-marraqueche/, com formulário acessível, para possibilitar a participação efetiva de pessoas cegas, com deficiências visuais e outras deficiências congêneres. O link para participação na consulta permanece ativo apesar de, a princípio, o prazo ter se encerrado em 23/05/2020.

Em conclusão, o Tratado de Marraqueche é um extraordinário avanço para a garantia dos direitos humanos voltados às pessoas com deficiências visuais e merece atenção, em especial do Estado e da sociedade, para que sua implementação observe os interesses dos beneficiários.


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