Se você acompanha ou atua na área de Propriedade Intelectual, já deve saber que este é um campo repleto de debates e conflitos, e que a discussão envolvendo o conflito e/ou a convivência entre marcas é um dos temas mais acalorados.
Neste cenário, uma ferramenta jurídica que tem se mostrado eficaz na prevenção de conflitos é o acordo de convivência (ou de coexistência) entre marcas.
Conceito e objetivo
O acordo de convivência entre marcas é um instrumento jurídico particular firmado entre dois ou mais titulares, requerentes ou interessados no uso ou registro de marcas que guardam entre si algumas semelhanças relacionadas ao nome, identidade visual e/ou atuação.
O objetivo do acordo de convivência é ajustar regras e limites para o uso e/ou titularidade das referidas marcas, de modo a coexistirem no mercado: i) observando os direitos das partes envolvidas; e ii) evitando causar confusão ao público.
Momentos em que o acordo de convivência pode ser utilizado
O acordo de convivência entre marcas pode ser aplicado em diferentes momento e contextos, a exemplo dos citados abaixo:
1) Prova para facilitação no registro de marcas: Uma das aplicações mais comuns do acordo de convivência é a sua apresentação em processos de registro de marcas perante o INPI, como argumento de que eventual marca apontada como colidente não é assim percebida pelos seus titulares e que estes concordam com a concessão do registro.
Neste ponto, é importante ressaltar que a ferramenta deve ser vista apenas com um elemento de suporte, ou seja, um complemento ou apoio à análise do pedido de registro de marca, sem gerar qualquer obrigatoriedade de aceitação ao INPI (não vinculativo).
Em outras palavras, a declaração de ausência de oposição constante no acordo de convivência entre marcas não exclui a autonomia do INPI que, apesar de analisar tal documento, levará em consideração também os demais elementos, a proteção ao consumidor e a prevenção de eventuais riscos de confusão no mercado.
2) Prevenção de Litígios: Ao estabelecer previamente as regras de uso, evita-se o desgaste de conflitos que podem surgir no futuro. Essa é uma forma de minimizar custos e preservar as relações comerciais.
Essa prevenção tem por consequência a transmissão de maior segurança aos parceiros comerciais e potenciais investidores.
A importância da prevenção de litígios é tamanha que, em alguns casos, pode ser estratégico negociar um acordo de convivência entre marcas, mesmo quando não se espera que o INPI o considere suficiente para alterar uma decisão de indeferimento de uma das marcas.
3) Após uma Notificação Extrajudicial
Após o recebimento de uma notificação extrajudicial pode ser prudente que a parte notificada procure a parte notificante na tentativa de estabelecer um acordo. Neste momento, a parte notificante poderá sugerir meios para viabilizar a manutenção das duas marcas no mercado, formalizando um instrumento de acordo que defina as regras para essa utilização simultânea.
É importante destacar que, em muitos casos, essas negociações envolvem compensação financeira, especialmente quando o conflito já está instaurado, as marcas atuam em mercados relativamente similares ou quando uma delas possui um reconhecimento significativamente maior que a outra.
De qualquer forma, a negociação de um acordo de convivência nesse estágio pode ser uma alternativa altamente eficaz para evitar que o conflito escale para um processo judicial.
4) No curso de um Processo Judicial
Se houver litígio em andamento, o acordo de convivência pode ser utilizado como parte das negociações para resolvê-lo. Nesses casos, o acordo pode ser usado para alcançar uma composição amigável, reduzindo custos e agilizando o encerramento do processo. Por exemplo:
- Ajuste de atuação: As partes podem definir limitações ou exclusividades em determinados mercados ou regiões geográficas, evitando a competição direta;
- Clareza na identidade visual: Alterações nos logotipos, cores ou formas de apresentação das marcas podem ser acordadas para minimizar confusões; e
- Encerramento de ações: Uma cláusula do acordo pode prever a retirada de recursos ou a suspensão de medidas judiciais assim que os termos forem cumpridos;
Estrutura de um acordo de convivência entre marcas
Cada acordo de convivência será desenvolvido para o caso em questão e abordará as especificidades debatidas e convencionadas entre as Partes. No entanto, apresenta-se abaixo alguns elementos que são fundamentais e, por isso, devem estar previstos neste instrumento:
- Identificação das Partes: Dados completos dos titulares e requerentes relacionados às marcas tratadas no contrato;
- Marcas: Detalhamento das marcas envolvidas, incluindo os elementos nominativos, figurativos e/ou mistos, os números de todos os processos (registrados ou pendentes) relacionados às marcas envolvidas;
- Objeto do acordo: Definição clara dos termos ajustados, da abrangência e dos limites da convivência convencionada, incluindo setores, localização geográfica e formas de utilização da marca;
- Obrigações da Partes: Compromissos assumidos para evitar confusão ou associação indevida;
- Mecanismos de resolução de conflitos: meios de resolver potenciais conflitos ou divergências futuras entre as partes; e
- Vigência: Período de duração do acordo.
Quando há chances de a outra parte aceitar aceitar um acordo de convivência entre marcas?
A situação mais comum que leva as Partes a convencionarem um acordo de convivência entre marcas ocorre quando estas atuam em segmentos diferentes ou, ainda, estejam dentro do mesmo setor, mas tenham produtos para públicos completamente distintos.
Por outro lado, um acordo envolvendo marcas que atuam no mesmo setor e para o mesmo público apresenta mais riscos, tanto em termos de aceitação pelas partes envolvidas quanto de eventual recepção pelo INPI.
Conclusão
Conforme evidenciado, o acordo de convivência entre marcas pode ser uma ferramenta poderosa para advogados que atuam na área de propriedade intelectual, ao oferecer soluções práticas para evitar conflitos, aumentar as chances de registro e proteger os interesses dos clientes.
O seu sucesso, entretanto, depende de uma elaboração cuidadosa e uma abordagem estratégica que considere as especificidades de cada caso.