Por Mariana Benfati – Sócia da Daniel Advogados
Em meio a maior pandemia já vista no nosso século, no dia 1 de abril deste ano a DISE (Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes) de Osasco/SP realizou operação de apreensão em uma fábrica clandestina na Zona Norte de São Paulo que estava produzindo álcool em gel falsificado em larga escala.
De acordo com informações divulgadas pelo jornal Folha de São Paulo, foram apreendidos 375 frascos do produto irregular e 11 galões de 50 litros de material utilizado para produzir o gel ilegal, tendo o responsável pela residência sido preso em flagrante delito. Além dos produtos, frascos de shampoos também foram encontrados na residência, que possivelmente eram usados para falsificação antes do COVID-19.
A criatividade do falsificador não escolhe nacionalidade e ultrapassa fronteiras. Na União Europeia, agências reguladoras têm investigado importações de máscaras, dispositivos médicos, kits de higiene, possivelmente falsificados, que podem ser ineficazes à proteção de seus consumidores e até mesmo prejudiciais à saúde, por não seguirem nenhum tipo de norma técnica da vigilância sanitária competente.
Não é novidade que algumas pessoas, usando de má-fé, tentem aproveitar-se deste momento de pandemia para obter vantagem econômica de forma ilícita, falsificando produtos essenciais para a contenção e prevenção da doença. O preço abusivo de produtos essenciais e a escassez de material no mercado, associados ao medo de contrair a doença, acabam atraindo consumidores desavisados e muitas vezes desesperados a adquirirem produtos de procedência duvidosa na internet, o que acaba expondo-os a um risco ainda maior.
Da mesma forma, muito tem sido debatido na comunidade científica e na imprensa geral sobre os possíveis efeitos do fármaco Hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19, uma substância já conhecida e empregada pela comunidade médica no tratamento de doenças como Artrite e Lupus há muitas décadas, através de medicamentos como o Reuquinol, largamente disponibilizado ao público.
Assim, bastou a menção da Hidroxicloroquina na mídia e por agentes políticos como possível “cura” do COVID-19 para que tais medicamentos simplesmente desaparecessem das farmácias, tamanho desespero da população em se proteger, ainda que perigosa e indevidamente, da pandemia.
Logo, com sua escassez no mercado e diante da imensa atenção recebida na imprensa, é bastante previsível que laboratórios clandestinos já estejam produzindo, possivelmente em larga escala, versões falsificados dos conhecidos medicamentos com tal princípio ativo, geralmente compostas por substâncias inócuas ou até mesmo prejudiciais à saúde (as famosas “pílulas de farinha”), em extrema ameaça à saúde da população.
A falsificação de produtos utilizados para fins terapêuticos ou medicinais foi incluída no rol de crimes hediondos (Leis 9695/98 e 8072/90), e pelo que dispõe o artigo 273 do Código Penal, é passível de reclusão de 10 a 15 anos e multa para o agente que praticar esta conduta.
Pelo que prevê o inciso I do mesmo dispositivo legal, são considerados produtos para fins terapêuticos ou medicinais, os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. Na atual conjuntura, seja o álcool em gel falsificado, as pílulas de farinha que simulariam medicamentos ou máscaras em desacordo com as normas técnicas vigentes no país poderiam ser incluídas como itens passíveis de tipificação neste artigo do Código Penal.
Importante destacar também que não é necessário expor os produtos à venda para configurar o crime previsto neste artigo. Basta a sua fabricação, importação ou até mesmo manutenção em estoque.
Sendo assim, os agentes que realizam as condutas acima descritas podem responder pelo crime acima previsto, sendo necessária a atuação severa dos agentes públicos para sanar tal prática e manter a população em segurança, já que o que está em jogo é a saúde pública da coletividade, num contexto geral.
Com relação aos consumidores, se faz imprescindível a preocupação em adquirir produtos de procedência conhecida e de empresas renomadas, para não fomentar este tipo de prática e não colocar a sua saúde em risco.