Milton Lucídio Leão Barcellos[1]
1. Introdução.
O Brasil aderiu em definitivo ao Protocolo de Madri, sendo que em 25 de junho o senhor Presidente Jair Bolsonaro assinou o instrumento de adesão do Brasil ao Protocolo conforme aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo do Congresso Nacional nº 49 de 2019 publicado em 30/05/2019 no D.O.U.). Ao aprovar os textos do Protocolo referente ao Acordo de Madri, o Brasil passa a possibilitar a brasileiros e estrangeiros uma nova via de acesso procedimental ao registro e manutenção de marcas em todos os países signatários do referido protocolo. Ao internalizar o Brasil fez as suas ressalvas formais (perfeitamente possíveis, de acordo com os próprios termos do Protocolo), sendo importante brevemente analisá-las sob a perspectiva do direito internacional e dos benefícios gerados para os brasileiros que internacionalizam e pretendem internacionalizar as suas marcas identificadoras dos seus produtos e serviços.
2. Sistemática de registro de marcas no exterior sem o uso do Protocolo de Madri.
O sistema internacional de registro de marcas já é secular, sendo que a Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP) e o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos De Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) são os principais instrumentos internacionais que o regulam e orientam.
Sinteticamente, o titular de um pedido de registro de marca feito em um dos países integrantes da CUP possui o prazo legal de 6 (seis) meses para proteger a sua marca nos demais países de seu interesse que também sejam membros da CUP reivindicando a data do primeiro protocolo da marca. Caso esse prazo não seja observado, o país membro da CUP poderá requerer a marca nos demais países membros a qualquer tempo, mas passará a observar a “fila” normal do país para o qual pretende ter a sua marca registrada. Existem inúmeros outros dispositivos na CUP relacionados ao direito de marcas, de modo que o objetivo não é analisá-los ou citá-los individualmente. Saliente-se que o sistema da CUP segue integralmente em vigor, sendo o Protocolo de Madri uma via alternativa.
3. Protocolo de Madri: Nova sistemática de registro de marcas no exterior.
Um único pedido centralizado perante uma única instituição responsável pelo seu trâmite internacional, unindo atos burocráticos difusos em um único local certamente demonstra otimização de procedimento e, consequentemente, racionalização e potencial redução de custos. De modo resumido, aí estão os principais objetivos do Protocolo de Madri: tornar acessível, facilitado e mais econômico o registro e manutenção internacional de marcas em múltiplos países.
Frise-se que o Protocolo de Madri cria uma via opcional para registro de marcas de empresas brasileiras no exterior (e de empresas estrangeiras no Brasil) que não invalida a via tradicional já existente. Ou seja, o titular de marca brasileira (um pedido de registro ou registro já concedido) que busca proteção da sua marca em um ou mais países, poderá optar por utilizar a via do Protocolo de Madri ou a via tradicional de registro da sua marca no exterior (país por país ou registros em blocos, como o caso do registro da marca europeia via EUIPO). Abaixo um resumo oficial da Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI dos três principais estágios do processo de registro de marcas via Protocolo de Madri:
Em resumo, caso o trâmite do pedido internacional de registro não encontre objeções formais e os países selecionados pelo requerente como de seu interesse em obter o registro não apresentem recusa/exigência ou silenciem decorrido o prazo máximo de 18 meses, o registro internacional será concedido e passará a vigorar em todos os países indicados no pedido internacional. As vantagens de um registro que não encontre óbices formais ou de mérito em seu trâmite internacional são absurdamente enormes do ponto de vista econômico e de gestão (presente e futura).
4. Ressalvas feitas pelo Brasil.
Ao aprovar os textos do Protocolo de Madri, o Brasil fez algumas ressalvas sobre os seus dispositivos, cumprindo destacar as seguintes:
– Corretamente optou pelo prazo de 18 meses como limite para o INPI notificar eventual recusa de marcas estrangeiras que queiram ser validadas no Brasil via Protocolo;
– Prevendo eventual demora em julgamentos decorrentes de casos complexos (oposições), também declarou ser possível não cumprir os 18 meses nesses casos;
– Preservou as taxas nacionais para estrangeiros (dentro do possível) como taxas individuais, buscando equilíbrio não discriminatório entre nacionais e estrangeiros;
– Ressalvou que os registros internacionais anteriores à entrada em vigor do Protocolo no Brasil não poderão ser estendidos para o Brasil (somente registros novos via Protocolo poderão ser estendidos para o Brasil), elegendo como oficiais os idiomas espanhol e inglês;
– Manteve o direito de revisão pelo INPI de recusas provisórias, a qual poderá ser submetida a recurso no INPI (buscando, mais uma vez, a harmonia entre a sistemática da Lei 9279/96 brasileira e o Protocolo, assim como evitando discriminação entre nacionais e estrangeiros);
– Mantém o direito brasileiro exclusivo de analisar contratos de licença de marcas, não reconhecendo essa possibilidade no âmbito do Protocolo;
Em síntese, as ressalvas feitas pelo Brasil estão em sintonia com a legislação brasileira e eram possíveis dentro das flexibilidades do Protocolo.
5. Conclusões.
Ao analisar acordos internacionais entende-se que é dever verificar se os benefícios brasileiros e os compromissos assumidos com os estrangeiros estão equilibrados e efetivamente são benéficos para o Brasil.
O saldo é positivo. O Protocolo de Madri é um avanço e é assim que deve ser compreendido pelo ambiente empresarial, acadêmico e dos profissionais prestadores de serviços envolvidos. Cria uma alternativa para brasileiros e estrangeiros protegerem seus ativos expressos através de marcas em todos os países signatários (mais de 100 países).
Ressalte-se que por mais benéfico que possa ser, trata-se de alternativa procedimental adicional de registro e manutenção internacional de marcas, pois dependendo do tipo de marca, grau de distintividade, quais são e o número de países de interesse, tempo médio envolvido e relação custo-benefício, seguirão existindo inúmeras situações nas quais o mais aconselhável poderá ser a via tradicional da CUP, após realizada uma análise estratégica customizada para a realidade de cada empresa e seus interesses presentes e futuros com o mercado internacional.
Algumas questões importantes já destacadas pelas associações de propriedade intelectual e acadêmicos deverão ser resolvidas[2], seja pelo futuro Guia do Protocolo de Madri em elaboração e a ser publicado pelo INPI provavelmente até o final de agosto, seja por eventual procedimento hermenêutico-institucional integrador nas vias administrativas ou judiciais. Mas seja porque via for, sem qualquer dúvida de que a sistemática alternativa considerada no ponto de vista macro para registro internacional de marcas estabelecida pelo Protocolo de Madri é legalmente válida e veio para ficar.
[1]Advogado e Agente da Propriedade Industrial sócio da Leão Propriedade Intelectual e da Leão Barcellos Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS (2002). Mestre (2006) e Doutor (2010) em Direito pela PUCRS (bolsista CAPES em ambos). Professor da disciplina de Propriedade Intelectual em diversos cursos de extensão e pós-graduação. Parecerista e Perito Judicial na área de Propriedade Intelectual. Idealizador, Ex-Presidente e atual Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS. Membro das seguintes associações nacionais e internacionais na área da propriedade intelectual: Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial – ABAPI, Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI, Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual – IBPI, International Association for the Advancement of Teaching and Research in Intellectual Property – ATRIP, Asian Patent Attorneys Association -APAA (Observer), Association Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle – AIPPI e Ligue Internationale du Droit de la Concurrence – LIDC. E-mail: [email protected].
[2] O presente breve artigo teve por objetivo uma visão geral do Protocolo de Madri, a forma de adesão brasileira e benefícios relacionados. Para análises acadêmicas e de profissionais sobre aspectos específicos relacionados à algumas das normas do Protocolo de Madri recomendo a leitura da edição especial “Protocolo de Madri” da Revista da ABPI n. 156 de set/out 2018, assim como recomendo a leitura da íntegra das normas do Protocolo de Madri e o Guia da OMPI para registros de marcas internacionais via Protocolo de Madri, disponível em https://www.wipo.int/export/sites/www/madrid/en/guide/guide.pdf
Autor Milton Lucídio Leão Barcellos
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