Inteligência Artificial Generativa e Propriedade Intelectual: Desafios e Perspectiva

Inteligência Artificial Generativa e Propriedade Intelectual: Desafios e Perspectiva

O avanço das Inteligências Artificiais Generativas (IAG) tem revolucionado a economia do conhecimento, permitindo que algoritmos avançados criem obras de arte, textos, músicas e outros produtos intelectuais a partir de comandos simples. Utilizando redes neurais profundas e técnicas de aprendizado de máquina, essas IAs são capazes de analisar grandes volumes de dados e gerar conteúdo original que muitas vezes se assemelha ao produzido por humanos. Essa evolução traz à tona questões cruciais relacionadas à Propriedade Intelectual (PI), como a titularidade das criações e a legalidade do uso de obras protegidas durante o treinamento de máquinas. Neste artigo, discutiremos as implicações legais e éticas da IAG no contexto da PI, especialmente no Brasil, e exploraremos a possibilidade de uma proteção sui generis.

A questão da autoria

Um dos principais desafios da PI em relação à IAG é a definição de autoria em criações geradas por máquinas. Projetos como “The Next Rembrandt”, que utiliza algoritmos de IA para criar uma obra no estilo do pintor holandês, levantam questionamentos sobre quem detém os direitos autorais da criação: o desenvolvedor do algoritmo, o usuário que forneceu as instruções ou a própria máquina? Nos Estados Unidos, decisões recentes, como as relacionadas ao sistema Midjourney e à obra “A Recent Entrance to Paradise[1], negaram proteção autoral a obras geradas exclusivamente por IAG em razão da falta de autoria humana direta. No Brasil, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) define que o autor deve ser uma pessoa física, o que, em princípio, leva a uma conclusão similar.

Desafios para a legislação brasileira

A legislação brasileira ainda não aborda adequadamente as complexidades da criação por IA. Como mencionado anteriormente, o artigo 11 da Lei de Direitos Autorais especifica que apenas seres humanos podem ser considerados autores, e o Conselho da Justiça Federal reafirma essa posição. Contudo, o uso de IA na criação de obras não significa que estas fiquem desprotegidas. O Escritório de Direitos Autorais dos EUA, por exemplo, tem reconhecido a elegibilidade de obras criadas com assistência de IA, desde que haja uma contribuição criativa humana significativa, como será detalhado mais à frente nesse texto.

Outro ponto crítico é o uso de obras protegidas por direitos autorais no processo de treinamento de máquinas. As IAGs dependem do treinamento em vastos conjuntos de dados, muitos dos quais incluem obras protegidas. A Lei de Direitos Autorais é rigorosa quanto ao uso não autorizado de obras, levantando questões sobre o que constitui uma violação quando a IA utiliza grandes volumes de dados para “aprender”. Nesse sentido, a legislação precisa evoluir para definir claramente os limites de uso de obras existentes no treinamento de IAs.

A proteção sui generis

Diante dos desafios impostos pela criação por IA, a adoção de uma proteção sui generis para as obras geradas por esses sistemas tem sido amplamente discutida. Esse modelo poderia reconhecer a natureza distinta das criações feitas por IA, permitindo um tratamento legal específico que considere as particularidades desse novo tipo de criação.

A proteção sui generis seria um sistema legal que se desvia das categorias tradicionais de direitos autorais e propriedade industrial, criando um espaço próprio para as criações geradas por IA. Esse sistema poderia considerar fatores como o grau de autonomia da IA no processo criativo, a intensidade da intervenção humana e a originalidade do conteúdo produzido.

Um sistema de proteção sui generis poderia facilitar a identificação de titulares de direitos e promover um ambiente de inovação, garantindo que os criadores, desenvolvedores e usuários das tecnologias de IA possam usufruir de suas criações sem a insegurança jurídica atual. Isso poderia incentivar a pesquisa e o desenvolvimento no campo da IA, ao mesmo tempo em que protege os interesses dos titulares de direitos autorais originais cujas obras foram usadas no treinamento das IAs.

No entanto, a implementação de um sistema de proteção sui generis também enfrenta desafios. É necessário um debate profundo sobre os direitos morais, a definição clara de autoria e as implicações éticas de reconhecer a IA como participante do processo criativo. Além disso, a criação de um novo marco legal requereria um esforço significativo de colaboração entre legisladores, juristas e especialistas em tecnologia.

Participação humana

Uma proposta é considerar a atuação humana na criação gerada por IA como fator determinante para a proteção autoral, como já mencionado. Nesse sentido, a qualidade e a criatividade  das instruções dadas ao sistema de IA (os chamados “prompts”)  devem ser avaliadas para determinar a proteção, levando em conta a contribuição efetiva do ser humano no resultado. Podemos comparar essa interação com a relação entre um artista e suas ferramentas: assim como um pincel não cria uma obra sem o artista, a IA serviria como instrumento para a manifestação da criatividade humana.

Insights finais

As questões envolvendo direitos de propriedade intelectual nas criações de IA trazem à tona uma série de desafios jurídicos e éticos. A necessidade de uma abordagem equilibrada e proativa é essencial para garantir que as inovações nessa esfera sejam acompanhadas de uma proteção adequada para os direitos dos criadores. A adoção de uma proteção sui generis poderia oferecer uma solução inovadora, permitindo que o marco legal evolua em resposta às novas realidades da criação intelectual na era da IA.

Além disso, é fundamental que haja uma colaboração interdisciplinar entre especialistas em tecnologia, direito e ética para abordar as complexidades que a IA traz à sociedade. Com o avanço contínuo das capacidades das IAs, questões como transparência nos algoritmos, responsabilidade por decisões automatizadas e o impacto no mercado de trabalho tornam-se cada vez mais relevantes. Uma compreensão profunda dessas questões permitirá não apenas a criação de um marco legal mais robusto, mas também a promoção de uma IA que beneficie a todos de maneira equitativa.

Recomendações práticas

Como especialistas em Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual, recomendamos que empresas e instituições adotem medidas concretas para mitigar os riscos associados ao uso de IA em questões de propriedade intelectual. Implementar uma governança de IA sólida, com documentação detalhada, políticas claras e normativos específicos, é essencial. Estabelecer diretrizes que exijam o registro e a manutenção dos prompts utilizados em IAs generativas pode evidenciar a participação humana no processo criativo, fortalecendo a posição legal em relação à autoria.

Além disso, essas práticas promovem transparência e responsabilidade, permitindo que as organizações estejam prontas para responder a eventuais desafios legais e éticos. A integração de tais medidas não apenas assegura conformidade com as legislações vigentes, mas também contribui para o desenvolvimento sustentável e ético da IA no ambiente corporativo.

Caso tenha dúvidas, consulte um de nossos especialistas. Estamos à disposição para ajudá-lo!

[1] Caso Midjourney: o Escritório de Direitos Autorais dos EUA negou o registro de obras criadas pelo sistema Midjourney, uma plataforma de IA que gera imagens. A decisão foi baseada no entendimento de que, como as criações foram feitas por uma máquina sem intervenção humana direta, não poderiam ser consideradas obras protegidas por direitos autorais.

Caso “A Recent Entrance to Paradise”: esta obra foi criada pelo sistema de IA denominado Creativity Machine, pertencente a Stephen Thaler. O Tribunal Federal do Distrito de Columbia também negou a proteção autoral para essa obra, argumentando que a falta de um autor humano impede o reconhecimento dos direitos autorais sob a legislação vigente.

Quer saber mais?
A Dra. Rafaela Marcondes gravou um vídeo muito interessante para o nosso canal no Youtube, onde ela explica como a legislação pode evoluir para acompanhar essas mudanças vindas à partir da inteligência Artificial. Confira aqui!

Autores:
José Colhado – Sócio-Head de IA do PDK Advogados
Rafaela Marcondes – Advogada de Propriedade Intelectual no PDK Advogados

PDK Advogados


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