Há revelia nos processos judicias que discutem a concessão de registro de marca ou o indeferimento do pedido de registro?
Por Paulo Armando Innocente de Souza
Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Graduado em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – FND/UFRJ. Advogado Sócio na Daniel Advogados. E-mail: [email protected]
deveria ser apresentada pelo réu, sendo um fato processual que pode produzir efeitos variados, tanto materiais quanto efeitos processuais. O efeito material da revelia, de acordo com o art. 344 do CPC, diz respeito à presunção de veracidade do que fora alegado pelo autor. Porém, trata-se de uma presunção iuris tantum, admitindo prova em contrário quando o réu receber o processo no estado em que este se encontra.
É sabido, portanto, que há uma diferença entre revelia e a aplicação dos efeitos materiais da revelia. Enquanto a primeira, conforme já mencionado, é um fato processual, a segunda implica em presunções de veracidade acerca das alegações do autor. Porém, o art. 345 do CPC elenca hipóteses em que esses efeitos materiais da revelia não são aplicados, como a apresentação de contestação por litisconsorte do réu revel (obviamente quanto há pluralidade de réus), nos termos do inciso I do citado artigo.
Em ações de nulidade de registro de marca ou que visam anular o indeferimento de pedido de registro baseado na colidência com registro anterior de terceiro ou que tenha sofrido oposição de terceiro, tem-se, como regra, uma pluralidade de réus: o INPI e o titular do registro anulando ou o titular de uma marca que possivelmente conflita com a que se pretende obter registro. Nesses dois casos, o INPI pode concordar com o pleito autoral e figurar como assistente do autor, ou concordar com o réu, defendendo o seu ato administrativo e vir a integrar efetivamente o polo passivo.
Nesse caso, sendo o INPI considerado preambularmente réu (de acordo com os mais recentes entendimentos da Justiça Federal do Rio de Janeiro), ao apresentar contestação, a autarquia afasta a aplicabilidade dos efeitos materiais da revelia ao particular que não apresentou tempestivamente a sua própria contestação. Esta situação gera uma suspeita de que o réu, titular do registro da marca anulanda, poderia apresentar sua peça de defesa a qualquer momento, mesmo após o INPI, quando a sistemática atualmente adotada é a do réu particular ofertar a sua contestação somente depois a Autarquia se manifestar levando em consideração o contraditório já instaurado.
Já há decisões que deixam claro que os efeitos materiais da revelia não são aplicados ao titular do registro quando o INPI contesta a demanda, ou até mesmo quando o INPI contesta demanda de nulidade de outros atos, como o de indeferimento de pedido de registro. Esse contexto nos leva a pensar que se o INPI aderir ao polo ativo da demanda, concordando com os argumentos e teses expostos na petição inicial, haveria uma migração interpolar da entidade e, com isso, restaria desconfigurada a pluralidade de réus e contestação a ensejar o afastamento dos efeitos materiais da revelia.
No entanto, mesmo que essa hipótese específica caso ocorra, o inciso II do próprio art. 345 do CPC, corroborado pelo Ofício Circular 00006/2016/GAB/PRF2R/PGF/AGU (muito utilizado para dispensar a audiência de conciliação em ações dessa natureza), leva à conclusão de que a questão acerca da validade dos registros marcários é de natureza indisponível e, por isso, estaria impedida a aplicação dos efeitos materiais da revelia ainda que hodiernamente possa-se entender que não há pluralidade de réus nessas circunstâncias.
Ademais, em casos em que um terceiro manifeste desinteresse na intervenção no feito que busque anular um ato de indeferimento do INPI e a Autarquia fique como a única ré, mesmo sem contestar, não haverá contra si a aplicação dos efeitos materiais da revelia pela natureza indisponível dos direitos de propriedade industrial.
Contudo, entendemos que deve haver uma ponderação acerca da possibilidade de se manifestar nos autos e influir no processo. Obviamente, não pode uma parte apresentar sua defesa concentrada em uma contestação a qualquer tempo, mesmo em se tratando de direitos indisponíveis, pois isto geraria insegurança dentro do trâmite processual. O que se deve fazer, diante da complicadíssima presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, é uma análise caso a caso para saber o que pode ser considerado como passível de ser descartado ou desentranhado do processo – já que a revelia é a ausência de contestação – ponderado com o que não está suscetível de ser presumido verdadeiro.
Nesse sentido, uma empresa detentora de um registro marcário que tenha perdido o prazo para contestar e, intempestivamente, protocolizou a sua peça de defesa, pode muito bem ter a sua contestação e documentos que a acompanharam desentranhados dos autos, pois nesta petição podem haver fatos e argumentos noticiados capazes de influenciar na convicção do juízo. Contudo, os fatos alegados pelo autor e provas produzidas deverão ainda ser objeto de análise do magistrado, uma vez que se o INPI tiver contestado, estes estarão controvertidos e, caso a Autarquia também reste silente, a indisponibilidade do direito demandará a valoração dos fatos, sendo permitido ao réu revel a produção de provas para refutá-los.
Autoria Paulo Armando Innocente de Souza | Clipping LDSOFT