Encomenda Tecnológica na mira da Corte de Contas?

Encomenda Tecnológica na mira da Corte de Contas?

Marcelo Nogueira Mallen da Silva[1]

Exercendo destacado papel na fiscalização das aquisições públicas, em especial no tocante a destinação de orçamento voltado às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, palavras-chave que fazem parte das mudanças no sistema legal-regulatório em vigor desde o chamado Novo Marco Legal da Inovação (Lei nº 13.243/2016 regulamentada pelo Decreto nº 9.283/2018), é que o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Laboratório de Inovação (CoLAB-i) do Instituto Serzedello Corrêa (ISC), vem acompanhando os estágios do processo de contratação de quatro protótipos de um sistema de navegação inercial, para o Programa Espacial Brasileiro via sistema de Encomenda Tecnológica (Etec), pela Agência Espacial Brasileira (AEB).

O processo em si serve não somente para colaborar com a Administração na compra peculiar de soluções inovadoras a fim de atender as necessidades da sociedade, com eficiência e eficácia – cuja aplicação concreta desses princípios basilares da Constituição Federal são viscerais à própria conceituação do interesse geral da coletividade em foco; sobretudo, além da discussão de aspectos relevantes de contratações de inovação e da análise crítica do mapeamento dos processos desse modelo, da identificação dos riscos associados e das respectivas medidas de mitigação.

De antemão, diga-se: ainda que a Etec configure uma novidade para a Administração Pública não deixa de representar um verdadeiro avanço no aumento do controle externo de políticas fundamentais e boas práticas de governança, como é o caso dos estímulos à independência dos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.

Por essa razão, o TCU firmou nos últimos dias Acordo de Cooperação Técnica (ACT) tendo por objeto promover o intercâmbio de experiências e a cooperação técnico-científica e de capacitação entre os partícipes, que possam ser utilizadas em atividades de competência dos atores envolvidos[1].

Claro que o ACT não se constitui como um documento essencial para mobilizar os esforços de compra pública de inovação, mas nesse momento e diante do contexto inovador do processo na Administração, se mostra apropriado para reafirmar o compromisso de apoio mútuo mediante a implementação de ações conjuntas canalizadas para, acima de tudo, o aperfeiçoamento e especialização técnicas de recursos humanos, desenvolvimento institucional e da gestão pública.

Aliás, alianças estratégicas no âmbito das parcerias previstas são um verdadeiro resgate no ambiente produtivo à Lei da Inovação (Lei nº 10.973 de 2004), seja por empresas, instituições de pesquisa e entidades sem fins lucrativos com o propósito de fomentar inovação (art. 3º).

Sujeito a tanto, vale recordar outros casos sob os quais ditas alianças podem se manifestar concretamente por força do ACT e demais instrumentos (utilização de contratos, termo de outorga, acordo de parceria ou convênio), notadamente no Decreto de Inovação já listado, tais como os contratos de transferência de tecnologia (art. 11), os mecanismos de fomento, apoio e gestão voltados à internacionalização das Instituições de Pesquisa Científica Técnica (ICT) públicas (art. 18), a subvenção econômica (art. 20), o apoio a projetos (art. 25), o bônus tecnológico (art. 26) e a encomenda tecnológica (art. 27).

Há quem pense em um universo perfeito e livre de controvérsias. Mormente a pauta seja flexibilização das regras de dispensa de licitação e segurança jurídica, nem sempre foi assim.

O Novo Marco Legal da Inovação modificou uma série de normas, a saber:  de importações de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica (Lei nº 8.010 de 1990), de isenção ou redução de impostos de importação (Lei nº 8.032 de 1990), a legislação geral de contratos e licitações (Lei nº 8.666 de 1993), a de contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (Lei nº 8.745 de 1993), o antigo Marco (Lei nº 10.973 de 2004), o regime diferenciado de contratações públicas (Lei nº 12.462 de 2011).

Essa por assim dizer revolução dispositiva de normas trouxe outros desafios que serão enfrentados só agora, a título de desconhecimento da Administração sobre o estado da técnica, a adoção de um conceito amplo que pode gerar confusão com premissas de risco tecnológico ou a falta de comprovada mitigação de resultados negativos (efeito cascata), o que representa um conjunto de hipóteses que bem define eventuais controvérsias a serem devidamente contornadas a partir dessa nova experiência posta em campo.

Complementando esse raciocínio extraem-se algumas observações arrematadas nas palavras de Negri (2017, p. 49), quando “[h]á razoável consenso em torno dessas ideias, mas muita controvérsia ao se definir estratégias para atingir esses objetivos (…) Contudo, justamente nesses períodos adversos e de encolhimento das finanças públicas são observadas estratégias distintas, em que alguns países atribuem à inovação um peso ainda mais relevante em seu portfólio de políticas para enfrentar a crise e perseguir a elevação da produtividade. Entenderam, de fato, que tecnologia e inovação são essenciais para o aumento de competitividade e que, por isso, o investimento público orientado para esse fim deve ser preservado[2].

Enquanto ao que interessa sob a noção da Propriedade Intelectual (PI), ao olhar para o futuro, as perspectivas são positivas aliado ao marco legal e as políticas apontam para o estabelecimento de um melhor ecossistema favorável à inovação, prelecionada por Faria (2018, p. 38) capaz de permitir “a busca de inovações de ruptura, com alto impacto, garantindo coerência entre política pública e ações[3].


[1] Advogado. Agente da Propriedade Industrial. Pós-graduado em Direito Empresarial e dos Negócios (UCAM). Especialista em Direito Digital (FGV). Membro da Comissão de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF). Membro da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI). Membro da Young Arbitration Group na The London Court of International Arbitration (LCIA).

[1]Para conferência de pronunciamento oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) mencionando a participação conjunta do Ministério, do TCU e da AEB na assinatura do ACT, assistir: <https://www.youtube.com/watch?v=EZf0fqNLzbA>. Disponível em: 2 abr. 2020.

[2]DE NEGRI, Fernanda. Por uma nova geração de políticas de inovação no Brasil. In: TURCHI, Lenita Maria; MORAIS, João Mauro. (Org.). Políticas de apoio à inovação tecnológica do Brasil: avanços recentes, limitações e propostas de ações. Brasília: Ipea, 2017, p. 49.

[3]FARIA, Adriana Ferreira de. O que é “Inovação”, seus tipos, e como tal fenômeno relaciona-se com uma forte estrutura institucional para o desenvolvimento científico. In: Marco regulatório em ciência, tecnologia e inovação: texto e contexto da Lei nº 13.243/2016. SOARES, Fabiana de Menezes; PRETE, Esther Külkamp Eyng (Org.). Belo Horizonte: Arraes Editores, 2018, p. 38.


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