Lucas Ruíz Balconi[i]
(Fonte: Época Negócios, 29 agosto de 2019)[ii]
Na coluna passada, demonstrei a importância e o impacto da inovação no desenvolvimento socioeconômico de um país. Tais afirmativas levantam, por óbvio, aos questionamentos: como é possível uma nação, como um todo, buscar a inovação? Como o Brasil, tão fragmentado politicamente, pouco industrializado e desenvolvido pode competir e concorrer com países já avançados neste quesito?
É sabido que, infelizmente, apenas em tempos de crise as tradicionais e sólidas estruturas começam a ser questionadas. Isso abre espaço para novos pensamentos e alternativas que podem ser seriamente consideradas. Na atual conjuntura, voltam à tona certas perspectivas há muito renegadas. Algumas, de tão criticadas, parecem voltar como “vingança”[iii].
Grosso modo, pode-se afirmar que a sociabilidade capitalista sempre foi determinada pela constante modificação das relações produtivas que, por sua vez, são subordinadas ao processo de acumulação (lucro). A “inovação”, como meio de modificação e transformação, é o que “move” a engrenagem do sistema. Ora, a inovação tem o condão de penetrar na estrutura produtiva de uma empresa e aumentar sua capacidade produtiva e concorrencial[iv]. Assim, a literatura sobre o crescimento econômico do último meio século identificou a importância da mudança e do desenvolvimento inovador e tecnológico[v].
Neste passo, é essencial para o crescimento econômico de um país o planejamento estratégico visando o fomento, o investimento e as iniciativas de apoio à ciência, à tecnologia e à inovação como um todo. Somente tais medidas, de forma sistematizada, ordenada e metrificada subsidiar políticas de superação da estagnação da produtividade nacional e, também, promover o desenvolvimento econômico e social de longo prazo.
Políticas públicas com estratégias desenvolvimentistas de países com sistemas de inovação complexos e com altos níveis de produtividade e competitividade mostram que, para superar crises econômicas e consolidar a retomada do crescimento, é preciso nortear esforços nas áreas de CT&I (ciência, tecnologia e inovação). O problema é que o “o Brasil (…) não conseguiu ainda criar canais de interações, ou fazer com que os canais existentes (base legal e regramento institucionais) sejam capazes de propiciar segurança jurídica, incentivar interações e dar dinamismo aos componentes do sistema”[vi].
Para realizar tal feito, deve haver uma mudança significativa no papel do Estado (e do Direito) que deve passar a visualizar os sistemas nacionais de pesquisa e inovação como um agente central e estratégico do desenvolvimento econômico. Assim, surge o paradigma de intervenção governamental focado não mais em corrigir as falhas do mercado, mas participando ativamente do desenvolvimento econômico através das políticas públicas que incentivam a inovação[vii].
O Direito, dessa forma, tem o papel central de criar, nortear e assegurar diversos instrumentos de incentivos à CT&I para a formalização contínua de um sistema de inovação. O ordenamento jurídico deve configurar nas condições da infraestrutura de pesquisa, fazer as regulações de proteção dos ativos intangíveis, desenvolver e assegurar fontes de financiamento e investimentos para fomentar o desenvolvimento tecnológico, incentivar às parcerias público-privadas, entre outros.
É neste sentido, inclusive, que a ordem jurídica brasileira é orientada, através das diretrizes e dos princípios constitucionais para que se promova uma adequação, a partir da ordem econômica constitucional, não apenas da intervenção das relações econômicas, mas também de toda a conjectura socioeconômica, com intuito de propiciar, dentro da organização e estruturação do Estado, a abrangência de programas e políticas públicas indispensáveis para o crescimento econômico, para a redução da desigualdade e para a autonomia do cidadão brasileiro.
Deste modo, é necessária a criação de um plano estratégico de desenvolvimento econômico, baseado no fomento à pesquisa e inovação, para construir um modelo de política econômica de crescimento sustentável e duradouro.
[i] Advogado e sócio do escritório Balconi Moreti Advocacia da Inovação. Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Político e Econômico (UPM). Professor de graduação e pós-graduação. Coordenador da pós-graduação de Direito a Inovação (UNIFIL). E-mail: [email protected]
[ii] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2019/08/inovacao-na-china-e-questao-de-sobrevivencia.html. Acesso 06/10/2019.
[iii] Ver “A vingança dos estruturalistas”. Disponível em: https://www.paulogala.com.br/a-vinganca-dos-estruturalistas-o-atlas-da-complexidade-economica-como-breakthrough-empirico-que-faltava-a-hirschman-nurkse-rosestein-rodan-singer-lewis-myrdal-prebisch-e-furtado/ . Acesso: 06/10/2019.
[iv] Sobre este assunto ver Glauco Arbix, Inovar ou inovar: a indústria brasileira entre o passado e o futuro. São Paulo: Papagaio, 2007, cap. 3 Novo empreendedorismo no Brasil?, p. 105/142. Aqui, são ressaltadas as qualidades e vantagens das firmas inovadoras (na produção, no faturamento, na remuneração) sobre as outras. De uma forma geral, elas são apontadas como revolucionárias no processo produtivo, capazes de modificar o atual panorama de forças global. Tal abordagem, no entanto, e apesar de não pretender-se assim, parece bastante ligada a concepções neoclássicas de naturalização de determinados processos, ignorando as relações de exploração e dominação mundiais. Assim, propondo o simples crescimento de determinado setor de empresários, os inovadores, a concepção assemelha-se à de Lewis, criticada por Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, de que “a pobreza decorre da reduzida dimensão do setor capitalista (troque por capitalista inovador)”, e na qual “o desenvolvimento aparece como processo eminentemente técnico”.
[v] Muito admirado por todos os economistas da tradição pós-keynesiana, Josef Schumpeter, através do uso da retórica é conclusivo em estabelecer o papel central do progresso tecnológico e da inovação no processo de crescimento e desenvolvimento de uma economia, variável que é responsável pelos ciclos econômicos e pela tendência de longo-prazo. É responsável pelo ciclo econômico porque é a concorrência intercapitalista que acelera os processos de inovação em processos e produtos. Por outro lado, dita a tendência pois afeta e é afetada pelas instituições na quais emerge. (OREIRO, 2016, p. 68)
[vi] TURCHI, Lenita Maria; MORAIS, José Mauro (org.). Políticas de Apoio à Inovação Tecnológica no Brasil: avanços recentes, limitações e propostas de ações. Brasília: Ipea, 2017. p. 10.
[vii] MAZZUCATO, Mariana (2011). O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público x setor privado. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. Setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014. p. 06.
Autor Lucas Ruíz Balconi | Clipping LDSOFT