Autor: Ari Magalhães
Em nosso último artigo, publicado no dia 10.08.2015 neste mesmo veículo, informamos porque acreditamos que nos saímos tão mal nos rankings de inovação. Saímos mal nestes rankings porque o empresariado nacional não tem uma cultura de inovação e, mais ainda, porque não temos uma cultura de fomento aos depósitos de pedidos de patente. Não temos essa cultura por dois motivos: primeiro pela pura inércia e falta de hábito, “se meus concorrentes, meus predecessores e meus vizinhos não inovam, não sou eu que farei diferente”; segundo, pela falta de conhecimento e de interesse no sistema de patentes (muitas vezes ofuscado por mitos e subterfúgios criados dentro do próprio meio empresarial).
Entre outros fatos relacionados à Propriedade Industrial, o empresário brasileiro não sabe como obter dinheiro com patentes de invenção. Já que o objetivo de qualquer empreendimento é o lucro, se não sabemos como lucrar com determinada atividade, por que investir nessa atividade? Esse parece ser um dos grandes motivos pelos quais vemos tão pouco investimento em Propriedade Industrial no Brasil.
É justamente para esclarecer o público empresarial que escrevemos o presente artigo, que visa apresentar de forma simples e rápida sete meios distintos de obtenção de lucro com uma patente de invenção.
Existem SETE formas distintas de obtenção de lucro com um documento de patente:
- Usufruindo da exclusividade de direitos:
A patente é o único meio líquido e certo de garantir 100% do market-share de um determinado produto ou segmento de mercado.
O sonho de todo empreendedor, marqueteiro ou publicitário é a obtenção da maior fatia de mercado possível para o produto que promovem. Publicidade e estratégias de marketing são, sem dúvidas, meios extremamente eficazes para alcançar esse feito. Contudo, o único meio possível de obter a exclusividade TOTAL sobre a comercialização de determinado produto é a obtenção de uma patente.
Se a patente cobrir uma invenção de breakthrough, i.e., uma invenção realmente inovadora, sem paralelos, sem substitutos disponíveis no mercado, a concorrência simplesmente não irá existir para o titular dessa patente.
Evidente que, quando não há concorrentes, a margem de lucro de um determinado produto sobe vertiginosamente, aumentando, e muito, os ganhos a curto prazo de uma empresa.
A longo prazo, o titular tem o benefício de enraizar o nome do produto nas mentes dos consumidores. Apesar de a patente ter uma vigência limitada de vinte anos, o produto mais tradicional, que liderou absolutamente sozinho pelos últimos vinte anos, é o que traz mais confiança ao consumidor.
Esta, aliás, é a primeira lei de marketing do Best Seller The 22 Immutable Laws of Marketing de Al Ries e Jack Trout:
“It’s better to be first than it is to be better.
The basic issue in marketing is creating a category you can be first in. It’s the law of leadership: It’s better to be first than it is to be better.
It’s much easier to get into the mind first than to try to convince someone you have a better product than the one that did get there first.” (The 22 Immutable Laws of Marketing de Al Ries e Jack Trout)
Se durante vinte anos reinando sozinho nas prateleiras de lojas e supermercados seu produto não entrar na cabeça do consumidor como o pioneiro, desista e mude de ramo, pois não há salvação para esse produto.
- Licenciando a tecnologia objeto da patente:
O titular da patente pode cobrar royalties de um interessado que queira produzir ou comercializar o objeto reivindicado na patente. O valor dos royalties é de livre negociação entre as partes e costuma ser pago a preço fixo por unidade comercializada ou em percentual sobre faturamento.
Grosso modo, em troca do pagamento dos royalties, o interessado recebe uma garantia contratual de que não será acionado por uso da tecnologia objeto da patente.
Faculta às partes contratantes permitir ou não o sublicenciamento da patente pela parte licenciada. Havendo sublicenciamento, o titular poderá cobrar ainda mais de sua contraparte.
- Aumentando o valor dos ativos intangíveis da empresa:
Isso é especialmente verdadeiro nas empresas de capital aberto. Durante a fusão ou incorporação de empresas, ou a abertura de novos lotes de ações, sempre é levantada a questão referente ao patrimônio intangível da pessoa jurídica. Na prática, esse montante pode (i) elevar o valor de aquisição da empresa (em operações de incorporação ou fusão); (ii) elevar o valor pago pelos acionistas aos papéis dessa empresa (i.e. o valor de mercado das ações negociadas na bolsa de valores); ou (iii) servir de lastro para dar suporte a uma operação financeira qualquer.
O patrimônio intangível das empresas engloba todos os seus bens incorpóreos, como as marcas, o know-how, as patentes e os desenhos industriais. O cálculo dos ativos intangíveis é sempre bastante complexo e, via de regra, é impreciso e requer a prestação de um serviço bastante qualificado e capacitado para sua determinação.
Entretanto, apesar de complexo e impreciso, o valor dos ativos intangíveis de uma corporação jamais deve ser ignorado. Para elucidar esse ponto, saiba que algumas empresas como Microsoft, Coca-Cola, Pfizer e Disney, algumas das empresas mais importantes do índice Dow Jones, possuem ativos intangíveis iguais ou superiores aos seus ativos tangíveis. (fonte: money.cnn.com)
- Contornando uma licitação pública:
A patente é um dos únicos instrumentos que permitem que um fornecedor ou prestador de serviços seja a única empresa a disputar uma licitação ofertada por uma empresa pública. Na verdade, em termos jurídicos, o mais correto é dizer que, quando há patente, não pode haver licitação. Pelo menos é o que diz o artigo 25 da lei de licitações:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (Art. 25, lei nº 8.666/1993)
Pense na seguinte situação hipotética: os geólogos da Petrobrás descobrem hoje um novo campo de petróleo localizado em águas profundas. Esse novo campo de petróleo é excelente, pois abriga um óleo de alta qualidade, tem um volume muito maior que todas as jazidas da bacia de campos somadas e estima-se que defina uma pressão interna suficientemente capaz de permitir uma produção tranquila e economicamente viável por um longo período de tempo. Ocorre que esse novo campo de petróleo encontra-se soterrado sob camadas e camadas de leito oceânico, muito abaixo da profundidade do famoso pré-sal. Semanas após o achado, a Petrobras faz uma divulgação de sua descoberta a fim de descobrir se algum fabricante de sondas de perfuração detém alguma tecnologia capaz de perfurar tão a fundo. A sua empresa é a única a entrar em contato com a petroleira, pois é a única detentora desse tipo de tecnologia.
Caso a sua corporação seja detentora de uma patente de invenção para a referida tecnologia, pelo menos em tese, a petroleira não pode abrir licitação para o serviço de perfuração, pois essa situação se enquadra perfeitamente nas definições do Art. 25 da lei de licitações.
Agora, se sua empresa não for detentora de uma patente de invenção para a referida tecnologia, a Petrobras deverá abrir uma licitação. Nesse caso, a não ser que sua tecnologia esteja muito bem guardada sob a égide de um segredo de negócio, você terá de dividi-la com seus concorrentes, que entrarão na licitação, reduzindo sua margem de lucro e ameaçando roubar a oportunidade da prestação do serviço.
- Goodwill
“Goodwill”, também conhecido como “ágio por expectativa de rentabilidade futura”, é um fator que está intimamente relacionado à reputação e ao prestígio de uma determinada marca ou empresa em meio ao seu público consumidor. O goodwill, que assim como as marcas e patentes também compõe o patrimônio intangível de uma empresa, é o fator que determina o sucesso ou fracasso de uma marca no longo prazo.
Fato é que uma empresa ou instituição que é titular de um grande número patentes costuma ter muito mais respaldo e prestígio perante seus consumidores que uma empresa similar desprovida de patentes. Em outras palavras, regra geral, quanto maior o número de patentes de uma empresa, maior o seu goodwill.
Isto se faz presente, sobretudo, em instituições de ensino superior. No contexto das instituições acadêmicas, é notório que a obtenção de um grande número de patentes pode valorizar bastante a reputação de um nome. Não é à toa que os maiores nomes de destaque no meio acadêmico, como University of California, MIT, Stanford e Columbia University, lideram com folga o ranking mundial patentes concedidas nos Estados Unidos para instituições de ensino (fonte: http://goo.gl/DMi8on).
Para concluir, nem é preciso dizer que quanto maior o goodwill relacionado a uma marca, maior a sua aceitação pelo mercado consumidor e, por conseguinte, maiores as vendas e os lucros aferidos pela empresa titular dessa marca.
- Obtendo indenização de terceiros:
Uma excelente forma de obtenção de lucro com uma patente é mediante o ajuizamento de ações de infração contra os concorrentes de sua empresa. Para ilustrar o quanto isso pode ser lucrativo, apresentamos aqui dois exemplos oriundos dos Estados Unidos, país onde ocorrem as maiores contendas litigiosas envolvendo patentes.
Nos EUA existem muitas empresas de fachada, cuja função social difere completamente da função da real da empresa. Essas empresas são registradas sob diversas prerrogativas, mas o único meio que usam para gerar caixa é o ajuizamento de ações de infração contra os seus concorrentes. O nome atribuído pela grande mídia a essas empresas é “Patent Trolls”.
Os Patent Trolls movimentam 29 bilhões de dólares por ano na economia americana apenas com ações e ameaças de ação fundamentadas em patentes toscas e mal redigidas. (cifra atribuída por pesquisadores da Universidade de Boston)
Não que a sua empresa deva largar o que está fazendo hoje e se dedicar exclusivamente à atividade moralmente condenável dos Patent Trolls. De todo modo, o cenário criado pelos Patent Trolls é bastante representativo do quão lucrativo pode ser o ajuizamento de uma ação de infração. Afinal, se existem empresas que sobrevivem apenas do ajuizamento de ações de infração, por que não obter parte de suas receitas com esse tipo de atividade?
Note-se que nem é preciso ajuizar diversas ações para que se obtenha uma cifra muito grande a título de indenização. Muitas vezes, com um pouco de sorte, uma única ação de infração pode salvar todo o faturamento anual de uma empresa. Aqui vem o segundo exemplo americano. Esse tipo de situação foi vivenciado pela Universidade Carnagie Mellon nos EUA, titular da patente para componentes eletrônicos, US6201839, que em 2012 recebeu uma indenização equivalente 1,5 bilhões de dólares da parte contrária na ação (Carnegie Mellon Univ. vs Marvell Tech. Grp., Ltd). Convenhamos, se 1,5 bilhões de dólares não for quantia suficientemente capaz de sacudir o seu faturamento, não sabemos o que poderá impressioná-lo.
E já que estamos falando de exemplos americanos, para quem pensa que a lei americana é mais favorável a indenizações grandiosas como a apontada acima, cumpre observar o artigo 210 da Lei de Propriedade Industrial Brasileira, que determina que a indenização em ações de infração deve ser fundamentada no critério que melhor atenda ao titular da patente, qualquer que seja o critério escolhido por este último:
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
I – os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou
II – os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
III – a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem. (Art. 210 da lei 9.279 de 1996)
Resumindo, nossa Lei de Propriedade Industrial é bastante favorável ao polo ativo das ações de infração. O que falta no Brasil é uma cultura mais inclinada à realização de depósitos de pedidos de patente e um maior interesse do empresariado nacional às diferentes formas de exploração dessa ferramenta.
- Transferindo a titularidade
A sétima e última forma de obter dinheiro com uma patente é mediante a transferência de titularidade desse documento.
O titular pode transferir a titularidade da patente ou pedido de patente a um terceiro e cobrar por essa transferência o que bem entender.
Existem infinitos fatores que podem motivar um titular a transferir sua patente para um terceiro. Por exemplo: (i) falta de interesse em mercado específico; (ii) falta de capacidade produtiva para fabricação de determinado produto; (iii) interesse na remuneração direta pela transferência; (iv) favorecimento de um determinado player em detrimento de um concorrente, dentre outros motivos.
O procedimento para transferência de titularidade no INPI é muito simples. Segue um breve tutorial publicado pelo Instituto:
Para solicitar a transferência, deve ser apresentado formulário de petição acompanhado dos seguintes documentos: – documento de cessão assinado pelo cedente, cessionário e duas testemunhas (no caso de pessoa jurídica, apresentar documento comprovando poderes de quem representa a empresa para realizar a transferência), – procuração (se necessário), – tradução juramentada dos documentos com a devida legalização consular (se necessário); e – comprovação do pagamento da retribuição devida (guia de recolhimento). (Guia Para Tramitação Do Pedido De Patente – DIRPA – INPI 2007)
Concluindo:
São diversas as formas de obtenção de lucro com uma patente. As empresas no exterior sabem muito bem disso, por esse motivo possuem portfólios de patentes imensos, que são constantemente renovados com novas patentes para novas tecnologias.
Falta ao empresariado brasileiro um conhecimento mais profundo sobre Propriedade Industrial e um interesse maior sobre essa ferramenta. Parte desse desinteresse emana da falta de conhecimento dos meios de monetização desse ativo. Somente com o interesse e conscientização do empresariado nacional será possível alcançarmos algum patamar respeitável nos rankings internacionais de inovação e desenvolvimento.
Autoria Ari Magalhães [email protected] | Clipping LDSOFT