Cognição, tutelas de urgência e a propriedade intelectual

Autor: Marco Antonio de Oliveira

Resumo: Ter conhecimento de como proceder no exercício da cognição revela-se essencial na correta aplicação das tutelas de urgência, em especial quando o direito material que se busca proteção é o bem imaterial protegido pela Propriedade Intelectual. O presente trabalho objetiva apresentar o estudo acerca da análise dos requisitos exigidos para a concessão das tutelas urgentes, passando pelo estudo do procedimento de cognição, tendo para tanto, como pano de fundo, os direitos intelectuais. Procura-se exercer reflexão acerca da importância do processo como um instrumento para a realização do direito material, cuja sua efetividade passa, geralmente, pelas tutelas de urgência, fato que, não raras às vezes, é necessário para a melhor preservação do bem imaterial oriundo do intelecto humano.

Palavras-chave: Direito processual civil. Propriedade intelectual. Tutelas de urgência. Efetividade.

Summary: Knowledge of the exercise of cognition proves to be essential in the correct application of urgent relief remedies, especially when the substantive right for which protection is sought is the intangible property protected by Intellectual Property. The present work aims to present the study about the analysis of the requirements for the granting of emergency guardianships, through the study of cognition procedure having, as a backdrop, the intellectual property rights. Aiming to pursue reflection on the importance of the process as an instrument for the realization of the substantive right, whose effectiveness usually requires urgent relief measures, which, not infrequently, are necessary for a proper preservation of intangible property derived from the human intellect.

Keywords: Civil procedural law. Intellectual property. Urgent relief remedies. Effectiveness.

 Sumário: 1. Introdução – 2. Da Demonstração e Caracterização do Fumus Boni Iuris e do Periculum In Mora em matéria de Propriedade Intelectual – 3. Aspectos para a Concessão das Tutelas Urgentes Inaudita Altera Pars – 4. Da Importância das Tutelas de Urgência na defesa da Propriedade Intelectual – 5. Da Importância da Proteção e Preservação do Bem Imaterial em face à Reparação Patrimonial – 6. Da Irreversibilidade das Tutelas Concedidas – 7. Conclusão – 8. Referências Bibliográficas

1 . INTRODUÇÃO

O conhecimento do procedimento cognitivo é de extrema relevância para a correta aplicação das tutelas de urgência, que consistem em instrumentos utilizados para se garantir e/ou satisfazer a efetividade do direito material que se pretende alcançar ao final do processo, por meio do provimento jurisdicional.

E, como se sabe, a cognição nada mais é do que “um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”.[1]

Além disso, para uma melhor utilização em cada caso, é de suma importância entender as diferentes espécies de cognição, a serem analisadas sob dois prismas postos em direções distintas: no sentido horizontal e no sentido vertical. Neste passo, temos que o primeiro sentido refere-se à extensão, amplitude, podendo ser ela plena ou parcial[2], enquanto que no segundo sentido a cognição relaciona-se com a noção de profundidade, sendo ela exauriente, sumária ou superficial.[3][4] E, é no sentido vertical que se requer maior atenção.

A cognição exauriente, como o próprio nome sugere, exauri, ou melhor, esgota a análise de cada um dos elementos que o julgador deverá apreciar, fazendo-o proferir um juízo de certeza.[5]

Já na cognição sumária – diferentemente da cognição exauriente em que o juízo é de certeza jurídica -, o juízo é de probabilidade[6], e que, portanto, requer algum tipo de prova. Ou seja, para que a tutela seja concedida com base na cognição sumária, há de ser provável a existência do direito afirmado, tendo de haver, ao menos, fortes indícios de sua existência.

Por fim, há ainda que se abordar a cognição superficial ou rarefeita, cujo juízo é o de possibilidade[7], portanto mais brando que o juízo de probabilidade da cognição sumária, que por sua vez é menos rígido que o juízo de certeza jurídica da cognição exauriente. Assim é que na cognição superficial, o julgador ao se deparar com uma questão, deve, apenas, olhar para as afirmações contidas no processo para, então, proferir uma decisão com base no juízo de verossimilhança das alegações.

Alexandre Câmara resume a questão ensinando que “no processo de conhecimento de rito ordinário, o provimento final – a sentença – é proferido com base em cognição exauriente. Consequência disto é que a liminar antecipatória dos efeitos da sentença deverá ser deferida com base em cognição sumária (um ‘degrau’ acima). Já no processo cautelar, em que o provimento final é a cognição sumária, a liminar deverá ser proferida à luz de um juízo de mera verossimilhança, ou seja, cognição superficial”.[8] Dito isto, observa-se que as tutelas de urgência devem ser concedidas, ou não, com base na cognição sumária.

Utiliza-se a expressão tutelas de urgência para designar o gênero, das quais são espécies a tutela antecipada e a medida cautelar, ambas caracterizadas pela necessidade de urgência da prestação jurisdicional de seus objetos.

A tutela antecipada nada mais é do que a produção, no início do processo, dos efeitos do pedido do autor – no todo ou em parte -, prestada com base no juízo de probabilidade, tendo o caráter satisfativo. Por sua vez, a medida cautelar[9] é um procedimento judicial caracterizado pela urgência, podendo ser pretendida em processo cautelar – de forma preventiva ou incidental -, ou até mesmo no processo principal – conhecimento ou executório -, e que tem por finalidade assegurar o resultado final que se busca obter no processo principal, garantindo a conservação das provas, coisas ou pessoas.

Dentre os requisitos para a concessão de ambas as espécies de tutelas urgentes, devem estar presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus boni iuris nada mais é do que a probabilidade do direito alegado. Já o periculum in mora consiste na necessidade da prestação jurisdicional de forma imediata, sob pena de que a demora excessiva do processo cause o perecimento do direito.

Nota-se, portanto, que os requisitos para a concessão da medida cautelar são os mesmos daqueles exigidos para a concessão da tutela antecipada – exceto o abuso de defesa que não possui previsão na medida cautelar -, mas que, nem por isso, podem ser utilizadas como se tivessem igual função.[10] Deve se ter em mente que, enquanto a antecipada requer uma prestação jurisdicional satisfativa – em relação ao direito material -, a prestação jurisdicional da cautelar é acautelatória – assecuratória do processo -, conforme o próprio nome sugere.[11]

  1. DA DEMONSTRAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA EM MATÉRIA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Como se sabe, o fumus boni iuris é “a aparência do bom direito que deverá ser consubstanciada pela comprovação efetiva”.[12] Assim, no caso da propriedade intelectual, quando o demandante alega que possui um bem imaterial protegido por este ramo do direito, e que este bem está sendo violado por terceiro, terá de fazer prova de suas afirmações.

Neste sentido, o titular de uma marca, de um desenho industrial ou de uma patente, deverá apresentar nos dois primeiros casos o certificado de registro, e no terceiro caso a carta-patente, todos expedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, autarquia federal especial responsável pela concessão dos direitos de propriedade industrial.

Já no caso do direito autoral, poderá ser apresentado o registro da obra junto ao órgão competente. Contudo, o registro é mera faculdade do autor, nascendo o seu direito juntamente com a obra, e protegido independentemente da existência daquele. Por esta razão, poderá o autor apresentar qualquer documento que evidencie que é ele o autor da obra reclamada.

Aliado a comprovação do direito sobre o objeto de proteção, caberá também ao demandante apresentar provas de que o contrafator está se utilizando indevidamente do seu bem imaterial.

No caso da marca, pode ser um produto ou uma nota fiscal contendo a marca contrafeita. Na esfera do direito autoral, pode ser um exemplar da obra violadora. No desenho industrial, o demandante poderá obter fotografias do desenho do objeto infrator. A questão se complica um pouco no caso da patente, onde dependendo de sua natureza, a prova da violação exige algo além da mera apresentação do objeto contrafeito. Para tanto, se faz necessário uma perícia técnica.[13]

Por fim, cumpre esclarecer que também poderá ser caracterizado o fumus boni iuris no caso dos direitos industriais – como a marca, o desenho industrial e a patente – contendo, apenas, o pedido pendente de análise.

Nesses casos, o demandante haverá de apresentar outras provas para que o conjunto probatório se torne suficiente para a demonstração do fumus boni iuris, como “por exemplo, quando um pedido de registro de marca está pendente de análise pelo INPI, já tendo sido lançado o produto com a marca no mercado e, agindo com má-fé, um concorrente lança no mesmo mercado produto idêntico com marca idêntica ou similar, havendo, neste caso, claras evidências de atos de concorrência desleal”.[14]

Neste mesmo sentido, o artigo 130, inciso III da Lei nº 9.279/96 assegura ao depositante do pedido de registro da marca o direito de zelar por sua integridade material e moral. Este artigo tem interpretação extensiva para os demais direitos industriais. Pois, se assim não fosse, o depositante – que possui uma expectativa de direito -, correria sérios riscos de quando concedido o seu direito, este já haver perecido por não ter tido a possibilidade de resguardá-lo perante terceiros infratores.

Por sua vez, o periculum in mora, especialmente na propriedade intelectual, tem crucial aplicação e importância para na proteção do bem imaterial. É sabido que o processo judicial costuma demorar bastante tempo até que chegue ao seu final, e, isto, é realmente importante para que se estabeleça o pleno contraditório. Ocorre que, por vezes, o bem imaterial, de natureza frágil em relação aos bens materiais, muitas vezes não pode aguardar até que seja proferido o provimento jurisdicional final, sob o risco de perecer.

Assim, por exemplo, não se pode permitir que o infrator durante todo o tempo do processo, continue a sua pratica lesiva aos direitos do demandante, causando-lhe denegrimento, desprestígio e até mesmo o perecimento de seu direito.

Comprovando-se o fumus boni iuris, em se tratando de propriedade intelectual, o periculum in mora, normalmente, há de estar caracterizado, ainda que implicitamente, pois, caso não seja dada de imediato uma resposta judicial, esta omissão poderá gerar graves danos ao titular dos direitos, danos estes muitas vezes incalculáveis e irreparáveis.

Para Marinoni o dano é irreparável ou de difícil reparação quando ele não poderá ser precisamente calculado.[15] Neste sentido, pode-se dizer que as medidas de urgência na propriedade intelectual não se conectam ao dano, e sim do perigo causado pelo ato ilícito. Pois, que, o dano é um patamar posterior decorrente do ilícito.

Ocorre que o bem imaterial não pode aguardar a ocorrência do dano para poder receber a tutela. Para a preservação adequada desses bens, a tutela há de ser preventiva, ao menos quanto ao dano. “Logo, o dano não é pressuposto da tutela inibitória, pois, em sendo prospectiva e preventiva, há possibilidade de o dano não ser efetivo”.[16]

Isto, pois, significa dizer que o julgador não poderá deixar de conceder a medida de urgência caso não seja comprovado o dano.[17] Portanto, “frise-se que a tutela inibitória antecipada não exige a alegação de dano, embora admita essa alegação como mera faculdade do autor, destinada a formar o convencimento do juiz de maneira mais fácil”.[18]

Portanto, caracterizado o ato ilícito, ou, estando este na iminência de ocorrer, configurado estará o periculum in mora, que aliado ao fumus boni iuris, permite a aplicação da tutela adequada ao bem objeto da propriedade intelectual.

  1. ASPECTOS PARA A CONCESSÃO DAS TUTELAS URGENTES INAUDITA ALTERA PARS

A liminar a ser concedida na medida cautelar, deve passar por um juízo de possibilidade, cuja valoração se limita a aparência de verdade das afirmações do demandante. Portanto, tem-se aqui a cognição superficial, espécie de cognição vertical menos aprofundada possível.

Especialmente na propriedade intelectual, se justifica a concessão da liminar inaudita altera pars. Isto, pois, caso o demandado tome conhecimento da ação antes mesmo da realização da medida requerida, poderá ele agir de forma a ocultar a violação que se busca caracterizar, retirando a eficácia de uma futura ação de conhecimento.

Isto poderá ocorrer em face aos direitos industriais e autorais. Como exemplo, pense-se em um vendedor de produtos contrafeitos de uma determinada marca. Caso ele tome conhecimento da ação, poderá destruir, esconder ou comercializar rapidamente os seus produtos, desaparecendo com as provas da infração. De igual modo, uma fábrica clandestina de DVDs piratas, poderá paralisar a sua produção e escoar todas as mercadorias pirateadas.

Nesses casos, a medida cautelar caso venha a ser deferida, não terá nenhuma eficácia, e, consequentemente, a sua finalidade de assegurar o direito para uma futura ação de conhecimento, ficará comprometida. Ademais, caso a liminar não seja concedida, o perigo iminente poderá ser convertido em dano.

De igual modo como ocorre na liminar em medida cautelar, a tutela antecipada também poderá ser concedida sem a citação do demandado, estando tal possibilidade expressa no artigo 461, § 3º do Código de Processo Civil. Entretanto, ao contrário do que ocorre na liminar em medida cautelar, cujo juízo é o de possibilidade – cognição superficial -, para que a tutela antecipada possa ser concedida na forma inaudita altera pars, o julgador deverá realizar o juízo de probabilidade – cognição sumária.

Para Tinoco Soares, isto se dá em razão de que o infrator poderá se beneficiar da citação, realizando por todos os meios a ocultação das provas do seu ilícito, e que, por consequência, a antecipação da tutela perderá o seu efeito principal, o da surpresa.[19]

  1. DA IMPORTÂNCIA DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NA DEFESA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

“Porquanto, diferentemente do que ocorre com os bens tangíveis, os bens de propriedade industrial, essencialmente intangíveis, por não estarem jungidos a um suporte físico podem ser utilizados simultaneamente por uma pluralidade de pessoas.”[20] Assim é que o bem imaterial, difícil de ser controlado, deve receber uma tutela específica a fim de evitar danos a sua reputação.

Como se pode observar, é extremamente necessária e fundamental para a preservação do bem imaterial objeto da propriedade intelectual, a prestação jurisdicional de forma imediata e eficaz, estancando a violação em curso[21], ou ainda, evitando aquela iminente de acontecer.

Caso esta tutela não seja prestada adequadamente – no tempo correto e força coercitiva suficiente -, o titular dos direitos intelectuais poderá vir a sofrer graves danos, podendo até mesmos culminar na perda do seu objeto, e dependendo da importância deste, acarretar o fim de sua atividade empresarial.

É nítido que o titular dos direitos intelectuais não poderá aguardar até o provimento jurisdicional definitivo, sob pena de ser “obrigado a conviver no mercado com terceiro que explora indevidamente o seu bem imaterial, sem ter suportado os investimentos necessários para desenvolvê-lo”.[22]

São inúmeras as consequências da infração aos direitos intelectuais, que quanto mais persistentes no tempo, maior será o estrago causado ao titular dos direitos, a ponto de se tornarem irreversíveis.

Pode, por exemplo, um contrafator se utilizar de uma marca semelhante ao do titular, para assinalar as mesmas atividades. O caso poderá se agravar ainda mais quando o infrator copia o trade dress das embalagens do produto original. Este fato pode gerar uma depreciação da marca registrada, ainda mais se o produto contrafeito é de baixa qualidade. Com o tempo, além do denegrimento da marca que ocasiona a sua perda do valor de mercado, sucede outro fator, a diminuição das vendas do produto original, e com isso, a diminuição nos lucros do titular da marca registrada.

No exemplo dado, caso o produto contrafeito não seja de má qualidade, poderá surgir outro evento, o desvio de clientela. Da mesma forma que no primeiro caso, o desvio de clientela levará a diminuição das vendas e, consequentemente, do lucro.

Além disso, “em havendo dois objetos ou produtos iguais ou semelhantes no mesmo mercado, por empresas distintas, dará margem a uma terceira empresa ou quarta para assim também proceder, porque estas últimas admitirão que por negligência do titular ou demora no julgamento por parte do Poder Judiciário, estarão também nas mesmas condições de participar desse mercado”.[23]

Outra consequência drástica para as marcas registradas é a perda da sua distintividade, ou seja, a sua degeneração, e “que, futuramente, pode ser reconhecido como elemento de uso da coletividade e gerar prejuízos incalculáveis, pois qualquer interessado poderá fazer uso dos termos que compõe a marca que ‘nasceu’ distintiva e perdeu distintividade pelo uso contínuo por empresas diversas, não tendo sido coibidas em tempo hábil”.[24]

Isto igualmente ocorrerá no caso de um produto protegido por patente ou desenho industrial. Caso haja a demora na resposta do judiciário, o produto protegido não será mais comercializado com a exclusividade garantida por lei, dividindo o mercado e trazendo descrédito ao seu produto que, até então, era único.

Por vezes, o contrafator irá auferir ainda mais lucro do que o titular dos direitos intelectuais, haja vista que o primeiro poderá comercializar a mercadoria contrafeita por um preço bem menor do que a original, pois não teve custos de investimentos para aquela criação.

No direito autoral o cenário não é diferente. Com a falta de proteção, fábricas clandestinas produzem aos montes CDs e DVDs piratas, causando prejuízos aos produtores e aos artistas, que além de não auferirem os royalties das vendas de suas obras, tem menor poder de negociação com as produtoras.

Portanto, como se pode observar, é de extrema importância a utilização das tutelas de urgência para que se evite as graves consequências que o início e a continuação da violação causarão ao titular dos direitos intelectuais.

  1. DA IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO BEM IMATERIAL EM FACE À REPARAÇÃO PATRIMONIAL

Os direitos intelectuais tem por objeto o bem imaterial, que torna difícil não só o seu controle e proteção, como também, depois de ocorrida a violação, a quantificação do dano para a reparação patrimonial devida.

Dessa forma, não rara são às vezes em que a reparação pecuniária é insatisfatória, e em quase todos os casos não é possível restabelecer os status quo ante. Como é sabido, os prejuízos em violação ao bem imaterial tendem a ser tão graves a ponto de serem irreparáveis.

Athos Gusmão corrobora com este entendimento afirmando que “pendente o processo, e até que entregue em definitivo a prestação jurisdicional, o bem objeto do litígio pode sofrer danos ou desaparecer; a marca de comércio pode continuar a ser indevidamente usada, com a perda de prestígio e clientela ao seu legítimo titular; a manutenção do ‘statu quo’ implicará quiçá o perecimento do próprio direito afirmado pelo demandante, e assim por diante”.[25]

Por esta razão, os direitos intelectuais necessitam de serem preservados antes que ocorra a violação. Mas, caso esta já esteja em andamento, é preciso uma determinação judicial rápida e eficaz na coibição da continuação da prática delituoso, para que se evite o agravamento do dano já causado.

Pense em uma marca registrada de um determinado produto, sendo este o responsável pela maior parte das vendas da empresa, e, consequentemente, do lucro. Em sendo a sua marca e o trade dress de suas embalagens copiados por terceiros por meio de um produto de semelhante função, e caso não seja coibida de imediato a sua produção e comercialização, podem ocorrer diversos fenômenos como depreciação da marca, perda do valor do produto, diminuição de vendas, perda de clientela, etc.

Agora, imagine a continuação desta violação por um período de dois ou três anos – tempo mínimo em que normalmente é proferida a sentença no processo de conhecimento. Certamente, todas as consequências negativas mencionadas anteriormente serão potencializadas, acarretando danos de difícil reparação ou mesmo o perecimento do direito. Razão pela qual a ação inibitória perdeu o seu objeto – a preservação do bem violado -, tornando-se uma mera ação de reparação de danos.

Contudo, a empresa que tinha naquele produto o seu principal ativo, deixará de funcionar, ou na melhor das hipóteses diminuirá o seu potencial de funcionamento, o que gerará inúmeras consequências negativas para os seus empregados, fornecedores, comerciantes, etc.

Portanto, não coibir imediatamente uma violação ao bem imaterial quando presentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida urgente pleiteada, é o mesmo que admitir que a ação inibitória nos casos de propriedade intelectual possa se resumir em uma ação de reparação de danos.

Ocorre que não se pode aceitar isso, sob pena de não se considerar relevante o direito da propriedade intelectual. A reparação de danos deve ser cumulada com a ação inibitória, que é a primeira – e, principal – tentativa na preservação do bem. Somente depois de estancada a violação, é que se deve partir para a reparação pecuniária dos danos causados no período em que persistiu a infração. Assim é que a própria lei dá preferência à preservação do bem em face da mera reparação de danos, conforme determina o artigo 461, §1º do Código de Processo Civil.

Além disso, é no mínimo uma diligência árdua a apuração do valor em espécie que representaria, por exemplo, o desvio de clientela, para uma possível reparação. Isso se estende a quantidade de produtos que uma empresa conseguiu comercializar, e que a outra deixou de vender. O quanto em dinheiro que valeria a reparação da perda da distintividade da marca. E, ainda que fosse possível responder a estas perguntas, a reparação patrimonial não seria suficiente para restabelecer o status quo ante.

Portanto, não se pode relegar a proteção do bem imaterial para segundo plano, sob pena de ser conivente com a deterioração dos direitos intelectuais, que se se resumiriam em mera reparação de danos.

  1. DA IRREVERSIBILIDADE DAS TUTELAS CONCEDIDAS

Uma questão de que se valem os julgadores para a não concessão das tutelas de urgência é a irreversibilidade do provimento caso venha a ser concedido.[26] Ora, pois, é evidente que qualquer que seja a decisão proferida – concedendo ou não as tutelas urgentes -, haverá a irreversibilidade do provimento.

Concedida a tutela de urgência, por exemplo, no caso da determinação da abstenção da produção e comercialização de um determinado produto de uma empresa, sob alegação de que este produto viola os direitos intelectuais de outra empresa, de fato, os prejuízos que poderão ser causados a primeira empresa serão irreversíveis.

Contudo, isto não pode ser motivo para a não concessão da tutela urgente. Cabe ao julgador ser atento e responsável ao interpretar e valorar os elementos que lhe foram apresentados, dentro, é claro, da cognição sumária. Nesses casos, não se pode exigir-lhe o juízo de certeza. Haverá de sopesar as alegações e provas e decidir pela proteção ao direito que lhe pareça mais razoável.

Obviamente, a concessão da tutela de urgência que futuramente se revele injusta, causará grandes prejuízos à empresa sob a qual recaiu a condenação provisória. Mas, ainda assim, o julgador não poderá se escusar de decidir.

Caso contrário, quem suportará o prejuízo é o demandante, que por vezes, verá o seu direito perecer por inércia do julgador, que não quis decidir por receio de proferir uma decisão equivocada, equivocando-se por sua omissão.

Essa tarefa árdua do julgador pode ser substancialmente amenizada pelos dispositivos legais que lhe permitem arbitrar caução no caso de concessão das medidas.[27]

Portanto, a irreversibilidade do provimento jurisdicional não poderá servir de escusa para o julgador, que tentando resguardar o demandado prejudica o demandante. Deve, pois, examinar os fatos e provas apresentados com base na cognição sumária, e resguardar o direito que lhe aparente ser mais verdadeiro. Ainda assim, caso persista a dúvida, o julgador poderá conceder a medida pleiteada arbitrando, para tanto, uma caução adequada.

  1. CONCLUSÃO

Iniciou-se o presente trabalho apresentando um pouco dos conceitos de cognição e tutelas de urgência, onde se buscou destacar que estas últimas devem ser analisadas sob o prisma da cognição sumária.

Para tanto, a cognição sumária, em sendo um juízo de probabilidade, exige a comprovação do fumus boni iuris e periculum in mora, requisitos comuns a ambas as espécies de tutelas de urgência.

De outro modo, há a possibilidade da concessão de liminar em medida cautelar, em que esta deverá ser pautada no juízo de possibilidade, cognição superficial. E, assim como ocorre na tutela antecipada, a liminar em cautelar poderá ser deferida na forma inaudita altera pars. Todavia, no caso da tutela antecipada, ainda que sem a citação do demandado, a cognição será a sumária.

E, como ficou consignado, os bens intelectuais, quando presentes os requisitos autorizadores, devem receber a tutela urgente que se revelar adequada, para que possam ser preservados.

Tal tutela de caráter preventivo e inibitório deve prevalecer em razão de qualquer outra forma de proteção, a exemplo da reparação patrimonial. Pois, que, devido a sua natureza, os bens intelectuais necessitam de serem resguardados imediatamente, sob pena de ocorrer em grave dano ou seu perecimento. Além de que, a mera reparação pecuniária não se mostra adequada para reparar os prejuízos sofridos pelo titular dos direitos intelectuais.

Frisa-se ainda que a questão da irreversibilidade não pode servir de fundamento para a não concessão das medidas em tela, tendo em vista o prejuízo gerado pelo não provimento, que também poderá ser irreversível.

Por todo o exposto, conclui-se que o domínio do conhecimento da cognição, possibilita a correta aplicação das tutelas de urgência, nos casos onde o objeto a ser tutelado é o bem imaterial, que por sua natureza, exige uma resposta rápida do judiciário, a fim de garantir a efetividade do processo e a preservação do direito material.

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WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[1] WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67.

[2] No plano horizontal, leva-se em conta a amplitude dos elementos que compõe o objeto da cognição. Assim, será ela plena quando analisados todos os componentes do trinômio pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa, e parcial quando se limita a análise de alguns desses componentes.

[3] Posicionamento defendido pelos doutrinadores Kazuo Watanabe, Luiz Guilherme Marinoni, Alexandre Câmara, dentre outros.

[4] Em contraponto a esta doutrina, destaca-se Giuseppe Chiovenda, que classificou a cognição em ordinária e sumária, e suas respectivas subespécies. (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. V. 1. Campinas: Bookseller, 1998. p. 174-275).

[5] Para Alexandre Câmara, “todo juízo de certeza é, em verdade, um juízo de verossimilhança”. E explica: “é que o juiz, em sua atividade cognitiva, afirma que dado fato é verdadeiro quando alcança aquele grau de convencimento que lhe é outorgado por uma máxima verossimilhança. A certeza a que se refere aqui, portanto, não é uma certeza psicológica, mas uma certeza jurídica”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 280-281).

[6] Alexandre Câmara trata de explicar a questão, que aparenta ser confusa, aproveitando os ensinamentos de Calamandrei: “Os conceitos de possibilidade, verossimilhança e probabilidade são, em verdade, muito próximos, sendo mesmo comum que sejam empregados como sinônimos. Não parece, porém, que esta seja a melhor forma de se interpretar estes termos. Assim é que opto por dar a estes três conceitos o sentindo que lhes da Calamandrei, em obra clássica já referida: possível é aquilo que pode ser verdade; verossímil é aquilo que tem a aparência de verdade; por fim, provável é aquilo que se pode considerar como razoável, ou seja, aquilo que demonstra grandes motivos para fazer crer que corresponde à verdade. Apresentam-se, pois, estes três termos como uma escala em direção à certeza: a mais tênue das três figuras é a possibilidade (capaz de excluir, apenas, os fatos impossíveis de terem ocorrido). Um pouco mais forte é a verossimilhança (que se afigura como aparência de que o fato ocorreu) e, por fim, a probabilidade, algo como uma quase-certeza”. E continua: “É de se notar, por fim, que em razão da diversidade conceptual anteriormente apontada entre possibilidade, verossimilhança e probabilidade, não parece correto afirmar que a cognição sumária permite um juízo de verossimilhança.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil.22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 281-282).

[7] Ou como Alexandre Câmara também prefere chamar, um juízo de verossimilhança. “É de se notar aqui que a cognição superficial, e não na cognição sumária, que haverá verdadeiro juízo de verossimilhança”. E, o doutrinador vai além, ao afirmar que “a utilização indevida desta palavra no caput do art. 273 do Código de Processo Civil pode induzir o intérprete em erro, uma vez que a hipótese ali versada, tutela antecipada, é exemplo típico de cognição sumária”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 283).

[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 283.

[9] “Medida que se propõe para assegurar a eficácia de um processo distinto. Pode ser instaurada antes ou no transcorrer do processo principal, e deste é sempre dependente. Divide-se em típica e atípica.” (PAULO, Antonio. Pequeno Dicionário Jurídico. 2ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. p. 228).

[10] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. V. 1. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 459-460.

[11] Neste mesmo sentido, destaca-se a seguinte passagem na obra de Theotonio Negrão: “A antecipação da tutela serve para adiantar, no todo ou em parte os efeitos pretendidos com a sentença de mérito a ser proferida no final. Já acautelar visa garantir o resultado útil do processo principal”. (NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 43ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 912).

[12] SOARES, José Carlos Tinoco. Processo Civil nos Crimes Contra a Propriedade Industrial. Jurídica Brasileira, 1998. p. 112.

[13] “A complexidade decorrente na apuração da violação de tecnologia, comumente só será observada por expert da área da peculiar, e, assim, afasta – aparentemente – o fumus boni iuris na percepção do magistrado que não se sentirá apto na concessão da liminar pleiteada.” (BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Uma visão Analítica Acerca do Contencioso Judicial de Patentes. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 60).

[14] BARCELLOS, Milton Lucídio Leão; CORRÊA, Gustavo Bahuschewskyj. Medidas de Urgência x Preliminary Injuctions na Propriedade Industrial – Breve Análise de Direito Comparado. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 311.

[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 156.

[16] SOUZA, Daniel Adensohn. Reflexos da Instrumentalidade do Processo na Proteção da Propriedade Industrial em Juízo. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 238

[17] “Quando se diz que a ação inibitória não comporta a discussão do dano, deseja-se evidenciar que o juiz não pode deixar de conceder a tutela antecipada (ou mesmo a tutela final) em razão de não ter sido demonstrado o dano.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 156).

[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 156.

[19] SOARES, José Carlos Tinoco. Processo Civil nos Crimes Contra a Propriedade Industrial. Jurídica Brasileira, 1998. p. 151.

[20] SOUZA, Daniel Adensohn. Reflexos da Instrumentalidade do Processo na Proteção da Propriedade Industrial em Juízo. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 233.

[21] “Na hipótese em que o ato contrário ao direito já foi praticado, temendo-se a sua continuação ou repetição, a tutela antecipatória pode ser concedida para obstar a continuação ou reparação do ilícito. Assim, por exemplo, a tutela pode ser concedida para impedir a repetição do uso de uma marca comercial de propriedade do autor. Nada impede, ademais, que o juiz possa, por exemplo, conceder a tutela para impedir a comercialização de uma revista que, com sua publicação, já lesou de forma irreparável, em uma determinada medida, o direito do autor. Essa tutela, como é óbvio, destina-se a impedir novos ilícitos, e não a viabilizar o ressarcimento do dano, pois é dirigida ao futuro e não ao passado.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 154).

[22] MACHADO, José Mauro Decoussau. Antecipação da Tutela na Propriedade Industrial. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 281.

[23] SOARES, José Carlos Tinoco. Processo Civil nos Crimes Contra a Propriedade Industrial. Jurídica Brasileira, 1998. p. 135.

[24] BARCELLOS, Milton Lucídio Leão; CORRÊA, Gustavo Bahuschewskyj. Medidas de Urgência x Preliminary Injuctions na Propriedade Industrial – Breve Análise de Direito Comparado. In Capítulos de Processo Civil na Propriedade Intelectual. Org. Fabiano de Bem da Rocha. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 309.

[25] CERQUEIRA, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 2-3.

[26] Este entendimento é atribuído à norma do artigo 273, §2º do Código de Processo Civil: “Art. 273. (…) § 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.” (BRASIL, Código de Processo Civil Brasileiro. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponibilizado em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 10 set.2013).

[27] Assim é, que o artigo 804 do Código de Processo Civil, e o artigo 209, §1º da Lei nº 9.279/96, estabelecem a caução. (BRASIL, Código de Processo Civil Brasileiro. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponibilizado em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 10 set.2013) e (BRASIL, Lei da Propriedade Industrial. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Disponibilizado em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>. Acesso em 10 set.2013).


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