Por Guilherme Calazans – Especialista de Patentes da Daniel Advogados
O desenvolvimento de invenções e, consequentemente, de novas tecnologias é um fator importante para o crescimento e o desenvolvimento econômico. O sistema de patentes tem evoluído com o objetivo de promover a inovação e estimular o desenvolvimento econômico. Ao oferecer direitos exclusivos por um período limitado, um inventor pode recuperar custos e investimentos de pesquisa e desenvolvimento.
Especificamente, uma patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda ou importar o produto objeto de patente bem como o produto obtido diretamente pelo processo patenteado. Desse modo, o detentor da patente terá uma base sólida para negociar financiamento para custos de desenvolvimento e para entrar em acordos de venda e licenciamento da sua invenção.
Nesse sentido, uma forma de medir a inovação tecnológica de um país é por meio da proteção da propriedade intelectual (PI) na forma de patentes. Como as patentes garantem os direitos exclusivos de uma invenção, elas oferecem uma visão das principais áreas de inovação tecnológica. É interessante notar que há relação direta entre o crescimento de um país e a quantidade de depósitos de pedidos de patente realizados. A inovação tecnológica pode ser vista como um fator importante para avaliar a produção interna de um país.
Tabela dos maiores países depositantes de patentes em 2016. Fonte: https://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/wipo_pub_941_2017-chapter2.pdf
Tabela das maiores economias do mundo em 2016. Fonte: https://ccsce.com/PDF/Numbers-July-2017-CA-Economy-Rankings-2016.pdf
Em relação ao Brasil, o país se encontra em 62° lugar no índice global de inovação em 2020. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI),esta afirmação é incompatível com o fato de o país ser a 9ª maior economia do mundo, conforme o artigo publicado na Computer Word (Fonte: https://computerworld.com.br/2020/09/07/brasil-fica-na-posicao-62-em-indice-global-de-inovacao-que-avalia-131-paises/?utm_content=buffer3a420&utm_medium=social&utm_source=linkedin.com&utm_campaign=buffer).
Como um país com economia de destaque no âmbito global possui tão baixa inovação? Para melhor analisar tal posição, é necessário verificar dados relacionados aos pedidos de patente no Brasil.
De acordo com o relatório de atividades do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual) em 2018, foram depositados apenas 27.444 pedidos de patentes e modelos de utilidade frente a aproximadamente 1.200.000 pedidos de patente na China, ou a aproximadamente 600.000 pedidos de patente nos EUA. Portanto, a quantidade de depósitos de pedidos de patente anual no Brasil é muito menor em comparação aos números dos outros países.
Quantidade de depósitos de pedidos de patente no Brasil (Fonte: https://www.gov.br/inpi/pt-br/composicao/estatisticas/RelatoriodeAtividades2018.pdf)
É interessante notar que houve um aumento de apenas 22% dos depósitos de pedidos de patente residentes entre 2018 e 1999 em comparação a 40% de pedidos de patente totais no mesmo período de tempo. Além disso, percebe-se que o número total de pedidos de patentes depositados por residentes no Brasil se mantém constante quando comparado ao número total de pedidos de patente depositados. Portanto, de modo geral, o mercado brasileiro de patentes apresenta tendência a um pequeno crescimento.
Pode-se observar no gráfico abaixo os pedidos de patente depositados no Brasil entre 2009 e 2018. A maior parte destes se deve a empresas residentes no exterior. Consequentemente, a invenção, bem como todo o processo de desenvolvimento da mesma, não está atrelada ao país, mas sim à produção tecnológica localizada no exterior.
Quantidade de depósitos de pedidos de patente no Brasil 2009 a 2018 (Fonte: https://www.wipo.int/ipstats/en/statistics/country_profile/profile.jsp?code=BR)
A quantidade de pedidos de patente depositados no Brasil é muito inferior quando em comparação com outros países de produto interno bruto similar. Além disso, é notória a dependência do mercado de patentes brasileiro de inovação tecnológica em função de empresas e/ou instituições de pesquisa localizadas no exterior.
Quantidade de depósitos de pedidos de patente na Argentina, Chile e Uruguai de 2009 a 2018 (Fonte: https://www.wipo.int/ipstats/en/statistics/country_profile/)
Como um exemplo comparativo, tal comportamento é refletido em outros países em desenvolvimento da América Latina, tais como Chile, Argentina e Uruguai, como visto acima.
Perfil de depositantes de patente na Europa em 2018 no Brasil. (Fonte: https://www.gov.br/inpi/pt-br/composicao/estatisticas/RelatoriodeAtividades2018.pdf)
De modo a analisar agora o perfil dos depositantes residentes no Brasil em 2018, verifica-se a predominância de pessoas físicas como os maiores depositantes nacionais de pedidos de patente, seguida de instituições de ensino e pesquisa e governo. Apenas 29% do total de depositantes nacionais são de empresas privadas, evidenciando claramente a falta de investimento no desenvolvimento de invenções no setor privado brasileiro. Comparando os dados, o percentual de empresas privadas depositantes é de 91 % nos países europeus no mesmo ano. Especificamente, grandes empresas possuem 71% do total de depósitos de pedidos de patente, médias/pequenas empresas e inventores individuais possuem juntos 20% do total de depositantes seguido de universidades e instituições públicas de pesquisa com 9%.
Gráfico de perfil de depositantes de patente na Europa em 2018 (Fonte: http://documents.epo.org/projects/babylon/eponet.nsf/0/F0ED2F6B03873A66C12583BA00424F79/$File/at_a_glance_en.pdf)
Desse modo, percebe-se que empresas privadas residentes no Brasil pouco investem em depósitos de pedidos de patentes, sendo o mercado nacional dominado por pessoas físicas. Há diversas explicações para o baixo número de patentes oriundas de empresas privadas residentes no Brasil, como a alta carga tributária e burocracia do país. É interessante notar também o alto custo para o desenvolvimento de invenções para empresas residentes no Brasil, além da baixa competitividade de empresas brasileiras, principalmente frente a empresas estrangeiras.
Além disso, patentes em geral não são de todo lucrativas. De acordo com Stephen Key, em seu artigo na revista Forbes (fonte: https://www.forbes.com/sites/stephenkey/2018/10/11/how-to-avoid-having-a-worthless-patent/#5efa8fea136f), cerca de 97% das patentes não recuperam o custo do processo de depositá-las, o que as tornam um investimento de alto risco.
Deve-se também levar em conta os custos necessários para defender a propriedade intelectual. Os processos judiciais para julgamentos relacionados a propriedade intelectual podem durar anos e custar milhares de dólares. Assim, considerando os custos e o tempo para a recuperação do gasto realizado, verifica-se que poucas empresas no Brasil possuem o capital financeiro necessário para tal empreendimento.
Em vista do acima comentado, é notável a importância do mercado de patentes para medir a inovação tecnológica de um país e, consequentemente, avaliar sua produção interna. No Brasil, a baixa procura de depósitos de pedidos de patente em comparação a outros países de economia similar, bem como o baixo número de depósitos de pedidos de patente por parte de empresas privadas, revela, não só uma economia pouca inovadora e competitiva, mas também muitos desafios e necessidades urgentes de mudanças.
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