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A pandemia de Covid-19 que assola o planeta está redesenhando todas as relações sociais. Líderes de todo o mundo têm adotado medidas para tentar amenizar os efeitos da disseminação do novo coronavirus, o que tem gerado profundos impactos na economia e na sociedade.
No Brasil, o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, decretou estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020. Além disso, diversas Medidas Provisórias têm sido adotadas pelo Poder Executivo para tentar preservar a atividade empresarial e os empregos dela dependentes.
No âmbito estadual, para tentar conter a propagação do novo coronavirus, diversos Estados têm decretado o fechamento temporário de estabelecimentos empresariais, com exceção de serviços essenciais à sociedade, no intuito de fazer com que o isolamento social reduza a circulação do novo coronavirus.
O fato é que o isolamento social, que é recomendo inclusive pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é medida que se impõe para fazer com que o número de infectados não provoque um colapso nos sistemas de saúde público e privado, fazendo com que escolas suspendam suas aulas e que pessoas sejam obrigadas a reformular seus modelos de trabalho, quando não são dispensadas de suas funções diante da inesperada situação e da queda abrupta de receita provocada pela desestabilização empresarial.
Assim, em decorrência das medidas de isolamento social, muitas pessoas que tinham rotinas definidas se viram obrigadas a mudar seus hábitos, trabalhando em home office e, muitas vezes, tendo que lidar com as necessidades de atenção a filhos e a afazeres domésticos.
A indústria do entretenimento é uma das que foi atingida diretamente pelas medidas de isolamento social, seja pelo cancelamento de eventos, seja pela nova forma assumida para gerar receita, adaptando-se agilmente à volatilidade, à incerteza, à complexidade e à ambiguidade do cenário de um mundo cada vez mais VUCA1 (acrônimo resultante das expressões volatility, uncertainty, complexity e ambiguity).
Com o cancelamento de shows e apresentações, diversos artistas têm encontrado palcos férteis em plataformas virtuais como o YouTube® e o Instagram®, ao fazerem apresentações ao vivo e com interações diretas com o público, as chamadas lives.
Importante ressaltar que qualquer pessoa pode criar uma conta no YouTube® ou no Instagram® e divulgar vídeos e conteúdos diversos, devendo respeitar as políticas de cada plataforma e a lei, sob pena de banimento e até de responsabilização legal por eventuais danos a direitos de terceiros.
No atual cenário, as lives de artistas consagrados têm se tornado um verdadeiro fenômeno na indústria do entretenimento, contando com milhões de espectadores e valorizando não só os artistas como as marcas que passaram a patrocinar suas apresentações.
Ocorre que pessoas têm usado a enorme audiência das lives e a possibilidade de criar títulos para seus vídeos colidentes com os nomes de artistas para veicular conteúdos que têm levado o expetador a erro.
O esquema é relativamente simples, mas tem causado enorme confusão e desvio de audiência: ao saber que em determinada hora certo artista irá fazer uma live, pessoas que não têm qualquer relação com o evento criam vídeos com títulos colidentes com o do nome do artista, ou mesmo do evento em si, a exemplo do que ocorreu com a dupla Bruno & Marrone.
A live da dupla sertaneja estava marcada para às 20:00 horas do dia 09/04/2020, porém, antes disso vários outros vídeos, inclusive de outros artistas do mesmo gênero musical, estavam anunciados com títulos que induziam o espectador a acreditar que se tratavam da live original da dupla, nenhuma delas, até onde se sabe, com autorização para promover tal vinculação, ou mesmo para fazer uso da marca.
O mesmo expediente foi verificado nas lives de outros artistas, que chegaram a alertar seus espectadores para saírem dos canais contrafatores e se atentaram para os canais oficiais dos eventos on-line, ao passo que a contagem de visualizações de cada live estava sendo diluída nesses canais contrafatores.
Essa prática é ilícita e consiste em verdadeiro ato de Concorrência Desleal, tipificado como crime pela Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), que em seu artigo 195, inciso III, estabelece que Comete crime de concorrência desleal quem: III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.
Ao criar vídeos com títulos colidentes com o nome de artistas, sem com eles possuir qualquer vínculo ou autorização, o responsável por esses canais estão justamente empregando meio fraudulento para desviar, em proveito próprio, clientela (leia-se espectadores) de outrem.
Ademias, os nomes de artistas, quando registrados como marcas, gozam de proteção legal especial, sendo assegurado ao titular do registro o direito de usá-la com exclusividade em todo o território nacional, nos termos do art. 129 da LPI2.
A marca “BRUNO E MARRONE”, por exemplo, foi registrada no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial pela empresa WBM PRODUTORA DE EVENTOS LTDA.EPP (BR/SP), na Classe nacional 41/20.40 (Registro nº 819424641), e Classes internacionais Ncl(7) 41 (823147673), Ncl(11) 09 (916854353), Ncl(11) 35 (916854434) e Ncl(11) 41 (916854116), sendo assegurado à referida empresa o direito de usá-la com exclusividade em todo o território nacional (art. 129), ou autorizar seu uso por terceiros (art. 139)3.
Além do Crime de Concorrência Desleal, a pessoa que cria vídeos com títulos passíveis de confusão ou de associação com marca alheia registrada pode também estar incorrendo em Crimes Contra as Marcas, previsto no art. 189 da LPI:
Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou
II – altera marca registrada de outrem já aposta em produto colocado no mercado.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Ainda na esfera criminal, não se pode olvidar também que o contrafator, e também aquele que coopera para a prática, pode estar obtendo, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo o espectador em erro, mediante o artifício de criar título de vídeo passível de confusão ou de associação com nome de artistas consagrados, subsumindo tal prática com a tipificação penal prevista no art. 171 do Código Penal:
Estelionato
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)
Neste cenário, proteger as marcas interessa não só aos seus titulares e respectivos espectadores, mas também aos patrocinadores dos eventos on-line, no intuito de garantir que o maior números de espectadores seja alcançado com a live dos artistas patrocinados.
Com efeito, além dos ilícitos na esfera criminal, os atos confusórios, consistentes em criar título de vídeo passível de confusão ou de associação com marca alheia registrada, podem ensejar também o dever do infrator de indenizar o titular da marca por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal, ou seu licenciado, ao passo que podem também gerar enriquecimento sem causa aos respectivos utentes indevidos.
Os arts. 209, da LPI, e 884 e 885 do Código Civil, estabelecem que:
Lei da Propriedade Industrial:
Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
§ 1º Poderá o juiz, nos autos da própria ação, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, determinar liminarmente a sustação da violação ou de ato que a enseje, antes da citação do réu, mediante, caso julgue necessário, caução em dinheiro ou garantia fidejussória.
§ 2º Nos casos de reprodução ou de imitação flagrante de marca registrada, o juiz poderá determinar a apreensão de todas as mercadorias, produtos, objetos, embalagens, etiquetas e outros que contenham a marca falsificada ou imitada.
CÓDIGO CIVIL:
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Assim, a pessoa que se aproveita do nome de artistas famosos para criar títulos de vídeos suscetíveis de serem confundidos ou associados com as lives desses artistas pode, certamente, levar o espectador a erro, agindo como um parasita que suga as energias de seu hospedeiro, desviando clientela de outrem e se locupletando indevidamente da fama alheia.
Portanto, talvez por desatenção à legislação vigente, as pessoas que criam títulos de vídeos passíveis de confusão ou de associação com nomes de artistas podem ser responsabilizados penal e civilmente por tais práticas.
Cumpre ressaltar que a proteção às marcas e a outros signos distintivos é direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal4, competindo não só aos devidos titulares e/ou licenciados o direito de protegê-los, mas devendo ser princípio a ser seguido pelo Poder Público coibir e reprimir de forma eficiente todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de marcas e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores, nos termos do art. 4º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor5.
O certo é que, no atual cenário mundial, nunca fez tanto sentido investir na proteção de marcas e demais direitos da propriedade intelectual, já que os ativos intangíveis vêm sendo cada vez mais valorizados, especialmente em plataformas on-line, onde o intangível é capaz de gerar receitas estratégicas em épocas de crise.
1 “VUCA é um acrônimo – usado pela primeira vez em 1987, com base nas teorias de liderança de Warren Bennis e Burt Nanus – para descrever ou refletir sobre a volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade de condições e situações gerais.” Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Volatility,_uncertainty,_complexity_and_ambiguity)
2 Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
§ 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.
3 Art. 139. O titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços.
Parágrafo único. O licenciado poderá ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da marca, sem prejuízo dos seus próprios direitos.
4 Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
5 Código de Defesa do Consumidor: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
Confira também: inpi consulta de marcas
Autor Dr. Bruno Figueiredo
Jurídico Wettor – [email protected]